terça-feira, 24 de abril de 2018
Eutanásia: matam doentes com depressão
Henrique Raposo, Expresso, 20 de Abril de 2018
É espantosa a indiferença dos média portugueses em relação ao problema da eutanásia. A flauta da esquerda começa a tocar e, num ápice, todos seguem a musiquinha, não há discussão, não há curiosidade, não há enviados especiais a ver de perto as realidades onde já existem sistemas de morte nos hospitais, não há enviados especiais para ver que – na Holanda e na Bélgica – a eutanásia é usada para matar raparigas de vinte anos com depressão ou velhos que se sentem um fardo para a família. Sim, estamos muito longe da imagem icónica do Bardem tetraplégico deitado numa cama. A alegação «estou farto de viver» está a ser usada como justificação para a eutanásia.
Uma situação que desprestigia por completo
a psiquiatria: na Holanda, dezenas de pessoas com depressão pedem para morrer; alguns psiquiatras,
que deviam ser a primeira barreira contra o impulso suicida, validam o pedido
Uma lei geral da eutanásia tem de registar qualquer coisa como «sofrimento insuportável». Mas, como dizia há dias na Renascença Esme Wiegman (presidente da Associação Holandesa de Doentes), essa formulação é demasiado vaga. Em 2002, quando a lei foi aprovada na Holanda, toda a gente tinha na cabeça a imagem do doente terminal de cancro. Mas, hoje em dia, a eutanásia é pedida por pessoas que alegam «a perda de dignidade». Mas o que é «a perda de dignidade»? A situação fica ainda mais vaga quando se adiciona o sofrimento mental. Aliás, a situação pode transformar-se num esgoto moral a partir do momento em que entram em cena psiquiatras inqualificáveis. Sim, inqualificáveis.
Até o «The Guardian» tinha há dias uma peça que revelava esta situação que desprestigia por completo a psiquiatria: na Holanda, dezenas de pessoas com depressão pedem para morrer; alguns psiquiatras, que deviam ser a primeira barreira contra o impulso suicida, validam o pedido de suicídio dos doentes, alegando que a depressão de x e y é «incurável». Que absurdo é este? Mesmo que seja incurável, aprende-se a viver com a depressão da mesma forma que se aprende a viver com outra doença. Que mentalidade é esta? A presença da doença «incurável» é em si mesmo uma impureza que legitima a própria morte? Mas somos o quê, samurais ou nazis em busca da perfeição biológica e mental? E o absurdo continua: estes psiquiatras chegam ao ponto de criticar a lentidão do processo (que já é demasiado rápido). Uma lei geral da eutanásia abre espaço a esta perversão.
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