Maria João Marques,
Observador, 27 de Julho de 2016
Que semana atroz. A degolação de um padre católico ontem em França introduziu na Europa aquilo que tem sido uma característica do extremismo islâmicos nos últimos tempos: perseguir os cristãos. Um dos primeiros raptos do ISIS, ainda grupelho desconhecido, foi de um padre jesuíta. Ora, sem surpresa, ontem o atentado de Rouen causou uma reacção pavloviana da nossa esquerda jacobina.
Ou falta de reacção, em alguns casos, e igualmente
sintomática. Por exemplo o primeiro-ministro, que não reagiu mesmo depois de o
ISIS reivindicar a bela acção durante uma missa. Um ataque directo à religião
maioritária dos seus governados não lhe mereceu comentário oficial. Nem no
twitter, onde se embaraça com frequência a propósito de demasiados assuntos:
durante a noite do atentado de Nice perorou em francês; disse a correr umas
banalidades sobre amor inspiradas em Corín Tellado depois do atentado de Orlando;
e – a mais estonteante – escreveu do atentado de Munique que o terror veio «do
nada».
(Se faz favor ninguém informe António Costa do
avião que explodiu por cima de Lockerbie. Ou que a 11 de Setembro de 2001
morreram quase três mil pessoas nas Torres Gémeas. Porque, por um lado, Costa
tem todo o ar de ser pessoa para apreciar viver feliz na ignorância. E, por
outro, está muito calor, e a notícia assim de chofre do terror islâmico não
surgir do nada em 2016, pelo contrário, já matou muitos milhares de pessoas,
ainda lhe provocava uma indisposição. O que, em calhando, o poderia levar a
tornar-se ainda mais emocionalmente carente do que o habitual, e o senhor já
nos envergonha o suficiente em estado normal a pedir «palavras de carinho», em
vez de sanções, à instituição hiper-burocrática que é a União Europeia,
habituada a que os políticos discutam impostos, fundos e indicadores económicos
em vez dos seus devaneios emocionais.)
Já Fernanda Câncio, que funciona como uma espécie
de definidora de tendências da esquerda socialista (por quem é absolutamente
reverenciada, talvez pela sua destemida defesa das mais absurdas e ruinosas
políticas socráticas), reagiu. Dizendo no twitter que uma notícia, dando conta
do reconhecimento de que os atacantes de Rouen eram tropa do ISIS, era «fazer a
propaganda do Daesh». Como se trata de uma jornalista – pelo que se pode
presumir que vê como um bem as populações estarem informadas do que de
relevante se passa no país e no mundo – que, tanto quanto sei, não sugeriu a
sonegação de informações sobre os atentados de Orlando, Nice, Paris ou
Bruxelas, ficamos desconfiados que o desconforto repentino com as notícias da
brutalidade do ISIS se deve à qualidade de religioso católico do degolado e não
à seita de assassinos islâmicos.
De facto, em certos meios um padre brutalmente
assassinado por islâmicos é algo que mais vale ficar nas gavetas da polícia,
não vamos incomodar as pessoas com estes assuntos tão sem importância. Ainda se
fosse ao contrário, imaginem lá bem a comoção que seria por toda a comunicação
social, os êxtases que teria a facção jacobina de esquerda, se um católico
ultra-conservador assassinasse um clérigo muçulmano numa mesquita europeia.
Isso sim, mereceria ser noticiado até à exaustão. Agora apresentar os católicos
como vítimas? Era o que faltava. O jornalismo (jacobino) não foi feito para
isso.
Na semana passada teci umas considerações sobre os
europeus que se tornam cúmplices dos islâmicos violentos ao tão obcecadamente
denunciarem quem enumera os perigos para a Europa da imigração muçulmana, ao
mesmo tempo que encontram as justificações mais alucinadas para os actos dos
terroristas islâmicos e pregam. Esta semana houve acrescentos. Agora, pelos
vistos, a culpa dos atentados é das notícias sobre os atentados. Pessoas (por
acaso islâmicas) perfeitamente normais, integradas, amigas do seu amigo e
amantes de fotografias de gatinhos ouvem na TV que um maluco muçulmano disparou
sobre este e aquele. Vai daí, são tomadas – assim com Ben Gazzara num dos meus
filmes preferidos, Anatomia de um Crime, de Otto Preminger – por um «impulso
irresistível» e quando dão por elas mataram meia dúzia a eito. É uma explicação
perfeitamente plausível para o terrorismo islâmico.
Peguemos no degolador de Rouen. Estava referenciado
como extremista islâmico perigoso e em prisão domiciliária com pulseira
eletrónica. Já tinha tentado juntar-se ao ISIS na Síria. Donde: é evidente que
assassinou um senhor de 86 anos por causa das notícias que leu no tablet.
A morte do padre católico também nos lembra que
para a esquerda jacobina não interessa se existem tribunais da sharia na grande
Londres, dispensando justiça (muita tosse) à margem da lei britânica. O que
lhes dá ataques de nervos é, por exemplo, usarem dinheiro dos contribuintes
para pagarem um bom projecto educativo que uma ordem religiosa disponibiliza a
uma população de miúdos carenciados. Se os islâmicos ajudarem a escaqueirar o
que sobra da cultura judaico-cristã (ou greco-cristã, como alguns preferem) –
que é a nossa e que não por acaso permitiu a emergência da sociedade mais livre
e tolerante de todos os tempos – em boa verdade então são companheiros de armas
da esquerda jacobina. Que, de resto, adora abusar da alegada necessidade de não
ofender o islão (no seu pedestal) para atacar, até, as celebrações católicas de
Páscoa e Natal.
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