Portugueses desde pequeninos
Alberto Gonçalves, Diário
de Notícias, 21 de Julho de 2015
Permitam-me uma declaração de interesses ou,
melhor dizendo, de completo desinteresse: não consigo imaginar porque é que
alguém publica fotografias dos filhos no Facebook. Nenhuma criatura
razoavelmente saudável está interessada na fisionomia dos rebentos alheios.
Ninguém, salvo eventuais maluquinhos, sente curiosidade por retratos de
crianças a tentarem uma pose «gira» ou a enfardarem um Cornetto. E só um caso
perdido apreciaria acompanhar reportagens informais e ilustradas sobre as aulas
de bailado de petizes que mal conhece ou desconhece de todo. Quem disser o
contrário é mentiroso e, até pelos padrões do Facebook, falso amigo.
Dito isto, custa perceber a recente decisão dos
tribunais de Setúbal e Évora, que proibiram um casal de exibir a filha nas «redes
sociais». As razões avançadas foram sobretudo duas. A primeira prende-se com a
ameaça de «predadores e pedófilos», os quais pelos vistos usam as ditas «redes»
para descobrir que uma criança existe e espantosamente possui um par de olhos e
um nariz.
A segunda razão é um
primor: «os filhos não são coisas ou objectos pertencentes aos pais e de que
estes podem dispor a seu belo sic prazer». No acórdão, fica lindo. No mundo real, fica a dúvida: os
pais mandam ou não mandam nos filhos? Têm ou não têm legitimidade para
obrigá-los a estudar ou a comer a sopa? Falta muito para as autoridades
reservarem para si os encantos da amamentação? Goste-se ou não, a verdade é que
nada prepara para a vida adulta tanto quanto a nacionalização precoce: tornar
as crianças dependentes do Estado por lei é apenas antecipar aquilo que,
crescidas, farão por vocação. Tudo está mal quando
começa mal.
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