terça-feira, 17 de fevereiro de 2015


As originalidades do cardeal Kasper,

um dos que agora mandam no Vaticano


Para não pecar gravemente, seria essencial

permanecer em pecado mortal...


Nuno Serras Pereira15. 02. 2015

Não saberei dizer se os meus amigos já tinham chegado à conclusão que enuncio no título deste texto. Eu em virtude da minha obtusidade e retardamento mental, confesso que nunca tinha visto ou entendido essa excelsa verdade a que hoje se chegou. Mas o mais extraordinário é que a Igreja esteve errada ou andou a enganar-nos durante dois mil anos. Afinal é preciso pecar para se livrar do pecado. Aqueles chamamentos ao arrependimento e à conversão que encontramos na boca de Jesus, não passam de puras alucinações.

Se alguém cuida que deliro ou exagero autorize-me a recomendar aquela sumidade em teologia que pregou sublimemente aos Cardeais aquando de um consistório. Trata-se do Cardeal Walter Kasper, um colosso de sabedoria, que finalmente arrasou os maiores, ou melhor, todos os Doutores da Igreja, toda a multidão de Santos, todos os Concílios, todos os Catecismos, enfim, todo o Magistério. E que se manifesta, subtilmente, como a autêntica encarnação do verdadeiro Deus, uma vez que se apresenta imensamente mais misericordioso do que o próprio Jesus Cristo.

Senão vejamos. Em um dos textos no blogue do Sacerdote José María Iraburu encontramos a seguinte citação de uma obra de W. Kasper:

«Muchas personas abandonadas por su pareja dependen para el bien de sus hijos de una nueva relación y de un matrimonio civil, que no pueden volver a disolver sin imputarse una culpa. Muchas veces, después de haber tenido anteriormente experiencias amargas, experimentan en estas uniones la felicidad, un regalo del cielo» (ponencia publicada en Verlag Herder, 10-III-2014, Evangelium von der Familie, pg. 55)…

Creio que não valerá a pena abordar a segunda frase desta citação porque analisando a primeira, logo ajuizaremos do absurdo da que se lhe segue.

Muitas pessoas, escreve Kasper, que foram abandonadas pelo seu parceiro/a dependem, para o bem de seus filhos, de uma nova relação e de um matrimónio civil, que (o qual) não podem dissolver sem que lhes seja imputada uma culpa (entende-se, pelo contexto e por outros escritos do autor, que se trata de uma grave injustiça e, portanto de um pecado mortal). É também claro que o abandono de que fala se refere a pessoas baptizadas, casadas validamente pela Igreja, que se divorciaram pelo civil e se «casaram» civilmente (os impropriamente chamados «divorciados recasados»).

Desta sentença podemos concluir várias coisas:

a) Uma pessoa que foi abandonada pelo cônjuge não tem que lhe permanecer fiel, como prometeu diante de Deus nos votos solenes que fez na celebração do Sacramento do Matrimónio. Por outras palavras, a traição ou o pecado do outro/a justificam (tornam justo, moralmente lícito) o meu pecado (Se ele peca, isso conceder-me-ia, de imediato, o direito de pecar).

b) Não é somente criado um direito imediato, mas também um dever rigoroso de encontrar um outro parceiro/a para o bem dos filhos, que já tinha do verdadeiro matrimónio. Temos portanto que o estado objectivo de adultério, isto é, de pecado mortal, transforma-se milagrosamente num acto de subida virtude.

c) O sacramento do matrimónio, embora nominalmente se considere insolúvel, na prática é dado como destruído. E um dos sinais disso mesmo é que o casamento civil passa a ser considerado, esse sim, indissolúvel: « ... não podem voltar a dissolver sem que lhes seja imputada uma culpa.». Essa nova culpa, ou pecado, sucede ou porque o parceiro/a se recusa a viver com o outro/a como irmão/irmã ou/e porque foram gerados novos filhos dessa segunda relação. Daqui se conclui necessariamente que continuar em estado de pecado grave (e sendo ocasião dele, para o parceiro/a) é bom e salutar para, o impropriamente chamado/a novo/a marido ou marida (sim, este termo existe em português). É preciso pois, segundo este raciocínio,  permanecer em estado objectivo de pecado mortal para não pecar mortalmente. Ignora-se, ainda, por completo, com uma indiferença gélida, o mau exemplo que se dá aos filhos, sendo ocasião de grave escândalo, isto é de ocasião de queda no pecado, para os mesmos. Como se o primeiro dever de justiça e de amor não fosse o de viver na Graça de Deus, testemunhando uma vida de santidade.

d) É surpreendente verificar que este tipo de raciocínio nunca é aplicado aos casos em que se verifica e declara que, de facto, por motivos vários, que constam do Direito Canónico, não houve Sacramento do matrimónio e que portanto o casamento foi nulo. Pois se assim fora, os pais, isto é, o pai e a mãe, que procriaram filhos, apesar de não ter havido casamento, não se poderiam separar mas tinham o dever de se casar pelo civil, continuando a viver como marido e mulher, para incorrerem na culpa de injustiçar gravemente os seus filhos. Por que será que ninguém faz esta proposta misericordiosa?




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