José Milhazes
Se alguém tem dúvidas das intenções do presidente
russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para
«fins secretos», ou seja, despesas militares.
Num comunicado ontem publicado pela Nato, esta
organização alertou para as «manobras aéreas incomuns» e de «grande escala»,
mas Portugal só acordou para este problema quando dois bombardeiros russos se
aproximaram das águas territoriais portuguesas. Se as notícias fossem apenas
relativas a incidentes semelhantes nos mares Negro ou Báltico, que acontecem
regularmente, talvez não merecessem destaque.
Mas ainda bem que isso aconteceu connosco, pois
talvez só assim despertemos para o que realmente está a acontecer na Europa, e
compreendamos que a «guerra fria» já é uma realidade pelo menos desde o segundo
mandato presidencial de Vladimir Putin na Rússia (2004-2008). Desde então ficou
claro que Moscovo iria passar das palavras aos actos para manter o seu poder de
influência no chamado «estrangeiro próximo», ou seja, no antigo espaço
soviético.
Quando da guerra entre a Rússia e a Geórgia (2008),
esta perdeu parte significativa do seu território, mas a União Europeia não fez
mais do que se apressar a congelar o problema, segundo o princípio: o
fundamental é pôr fim aos combates e depois veremos o resto. Nicolas Sarkozy,
então presidente de França, veio a Moscovo para acordar o cessar de fogo e
estava com tanta pressa que se esqueceu de definir para onde iriam os observadores
da OCSE. O Kremlin decidiu que eles só poderiam estar do lado georgiano da
fronteira, Bruxelas protestou um pouco e calou-se.
Talvez os dirigentes da NATO e da UE tenham
decidido que Vladimir Putin se ficaria por aí, mas enganaram-se. O dirigente
russo, aproveitando-se de uma crise interna na Ucrânia, ocupou silenciosamente
a Crimeia, justificando-se com o antecedente do Kosovo, o que não corresponde à
verdade. O antecedente seria equivalente se a Crimeia passasse a ser
formalmente independente como o Kosovo, mas o Kremlin deixou-se de cerimónias e
simplesmente transformou esse território em mais uma república sua.
Logo a seguir ateou o fogo do separatismo no Leste
da Ucrânia e a explicação também foi encontrada: se os EUA têm direito, porque
é que nós não temos? Mas os dirigentes do Kremlin continuam a falar de respeito
pelo direito internacional com uma superioridade tal como se fossem anjinhos. E
aqui a história volta a repetir-se: quando os EUA enviavam tropas para algum
território, isso significava invasão. A União Soviética fazia exactamente o
mesmo mas chamava-lhe «internacionalismo proletário». Hoje, o Kremlin encontrou
outra fórmula: «defesa do mundo russo», ou, como afirmou recentemente Vladimir
Putin, «o urso não vai pedir autorização a ninguém» na defesa da sua taiga. É
verdade que o dirigente russo prometeu que esse animal «não tenciona ir para
outras zonas climatéricas», mas a Ucrânia já não é propriamente taiga.
E se alguém tem dúvidas das intenções do presidente
Russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para
«fins secretos», ou seja, despesas militares. Aliás, o Kremlin não faz muita
questão de esconder que está a gastar enormes meios financeiros para modernizar
as suas forças armadas.
Os países da NATO, até há bem pouco tempo,
decidiram relaxar-se e poupar nos orçamentos militares talvez considerando que
as boas relações com a Rússia se iriam prolongar eternamente e, agora, irão ter
de fazer esforços que países como Portugal e outros não conseguirão fazer.
Além disso, e isto parece-me ser o mais importante,
a UE e a NATO parecem não saber como travar a expansão russa no antigo espaço
soviético, criando esse desconhecimento um clima de insegurança nas populações
dos países que são vizinhos da Rússia. Se falarem com estónios, por exemplo,
verão que a maioria está convencida de que o Kremlin irá criar problemas nos
países do Báltico sem que a UE ou a NATO venham em sua defesa. Eles foram
abandonados aos caprichos de Hitler e Estaline e a história, como é sabido,
tende a repetir-se.
Posso estar a exagerar? Talvez, mas dentro em breve
terá lugar ou não um acontecimento que responderá a essa pergunta. Dmitri
Rogozin, vice-primeiro-ministro russo encarregado do sector militar-industrial,
anunciou que a França irá entregar o primeiro porta-helicópteros «Mistral» ao
seu país e começar a construir o segundo a 14 de Novembro. Paris diz não
existirem condições para isso.
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