Randall Smith
Em breve os bispos do mundo viajam para Roma para o «Sínodo para a Família». Alguns levam com eles os resultados de inquéritos feitos aos fiéis, sobre as suas atitudes relativamente aos ensinamentos da Igreja, e alguns, como o bispo Robert Lynch, de St. Petersburg, Flórida, poderão ter decidido, com base nesses inquéritos, (o que no caso do bispo Lynch corresponde a 6800 respostas), que: «Em relação à contracepção, a resposta pode ser caracterizada como, ‘Esse comboio já partiu há muito’. Os católicos já se decidiram e o sensus fidelium sugere uma rejeição dos ensinamentos católicos nesta matéria».
Se o sensus fidelium fosse assim tão simples: Um pequeno inquérito, resultados e uma conclusão rápida. Mas não é assim. O bispo não está a falar do sensus fidelium. Está a usar a expressão, mas está a falar de outra coisa.
O sensus fidelium, como o Papa João Paulo II explica e bem, «não consiste, porém, somente ou necessariamente no consenso dos fiéis. A Igreja, seguindo a Cristo, procura a verdade, que nem sempre coincide com a opinião da maioria.» «A Igreja pode apreciar também a investigação sociológica e estatística», prossegue o Papa, «quando se revelar útil para a compreensão do contexto histórico no qual a acção pastoral deve desenrolar-se e para conhecer melhor a verdade.»
«Tal investigação, porém», insiste, «não pode ser julgada por si só como expressão do sentido da fé.» Antes, alerta: «Vivendo em tal mundo, sob pressões derivadas sobretudo dos mass-media, nem sempre os fiéis souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos valores fundamentais e pôr-se como consciência crítica desta cultura familiar e como sujeitos activos da construção de um humanismo familiar autêntico.» Note-se o aviso específico sobre os perigos para as noções de família em particular.
O Papa Bento XVI também avisou para o perigo deste tipo de confusão. «É particularmente importante especificar os critérios que permitem distinguir entre o sensus fidelium autêntico e as suas imitações. Na realidade, ele não é uma espécie de opinião pública eclesial, e não é pensável que possa mencioná-lo para contestar os ensinamentos do Magistério, uma vez que o sensus fidei não pode desenvolver-se autenticamente no crente, a não ser na medida em que ele participa plenamente na vida da Igreja, e isto exige a adesão responsável ao seu Magistério».
Nessa ocasião, o Papa Bento XVI estava a discursar perante a Comissão Teológica Internacional, louvando-os precisamente por clarificar algumas ideias erradas sobre o sensus fidelium. Eis o que a Comissão tinha dito:
«A natureza e a localização do sensus fidei ou sensus fidelium deve ser devidamente compreendidas. O sensus fidelium não significa simplesmente a opinião da maioria em um determinado tempo ou cultura (...). O sensus fidelium é o sensus fidei do povo de Deus na sua totalidade, obediente à Palavra de Deus e guiado nos caminhos da fé por seus pastores. Assim, o sensus fidelium é o sentido da fé que está profundamente enraizada no povo de Deus, que recebe, compreende e vive a Palavra de Deus na Igreja.»
Por isso, por favor, não se pode procurar fazer passar os resultados de uma sondagem a 6800 católicos na Flórida por sensus fidelium. Uma forma melhor de pensar no conceito é em termos daquilo em que os católicos acreditaram sempre e em todo o lado, mesmo antes dessa crença ter sido definida por um concílio ou um Papa.
Sensus Fidelium?
Muitas doutrinas da Igreja encaixam nessa categoria: ensinamentos que nunca foram formalmente definidos, mas que sempre fizeram parte do património da Igreja. João Paulo II, por exemplo, afirmou no Ordinatio Sacerdotalis que o sacerdócio exclusivamente masculino era um desses ensinamentos, afirmado por aquilo a que por vezes se chama o «magistério universal da Igreja». Nunca tinha sido formalmente definido, mas tinha sido ensinado e aceite sempre e em todo o lado como de fide (uma questão de fé).
Agora pensem no que teria acontecido com esta questão se um bispo tivesse feito uma «sondagem» das atitudes dos americanos em St. Petersburg, Flórida, ou Cape Cod, Massachusetts.
O sensus fidelium não pode ser apenas uma fatia da opinião pública da Igreja no aqui e agora, porque a Igreja não é apenas a Igreja do aqui e do agora. A Igreja estende-se por toda a terra, atravessa culturas e milénios. Ela olha sempre para a vinda futura de Cristo, fazendo as suas escolhas com base nos conhecimentos que recebeu das Escrituras e da Tradição, em fidelidade ao Espírito que continuamente a guia.
E se tivéssemos feito uma sondagem da opinião dos católicos alemães sobre o estatuto dos judeus em 1938? Ou um inquérito na Flórida sobre a moralidade da segregação racial em 1954? Essa fatia do bolo deve ser usada para determinar os ensinamentos da Igreja sobre o povo judaico e a segregação? Tudo bem que não somos nazis, mas não sofremos também de preconceitos e miopia?
A retrospectiva é sempre perfeita, porque é fácil detectar os preconceitos das pessoas no passado. O que é mais difícil é detectar os nossos próprios preconceitos, uma vez que vivemos com eles todos os dias.
Não faz mais sentido reconhecer o sensus fidelium como a nossa dívida para com o passado, bem como as nossas obrigações para com o futuro, e proceder com humildade, guiados pelo Senhor da História em vez de um «espírito da época» que esteja na moda?
Randall Smith é professor na Universidade de St. Thomas, Houston, onde recentemente foi nomeado para a Cátedra Scanlon em Teologia.
(Publicado em The Catholic Thing e traduzido por Filipe Avillez).
Ilustrações da nossa redacção.
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