sexta-feira, 23 de maio de 2014
Ainda o 25A
Comemorações
Jaime Nogueira Pinto, Jornal Sol, 15 de Maio de 2014
Uma das consequências desta espécie de epidemia mental que se abateu sobre Portugal e a Europa sob a forma do pensamento único universal e correcto foi a exclusão da ideia da política como poder, como debate, como decisão e escolha do bom governo para a comunidade.
Na esquerda, a fórmula do pensamento único é a proclamação do fim da política pela sua redução aos direitos económicos universais e absolutos para todos.
A questão de como continuar a prometer esse «país da Cocanha» de abundância e tolerância totais numa economia-mundo que a própria esquerda idealizou não se põe. A retórica é que tal só não acontece por imposição de uns tenebrosos oligarcas financeiros, apoiados pelos seus cúmplices no poder – os políticos e as políticas «de direita» – que sonham escravizar os pobres e reduzir à pobreza a classe média.
À direita, ou entre essa «direita» festiva que por aí pontifica, oriunda da esquerda arrependida e veneradora do dinheiro, a política também não se ocupa do poder, do Estado, da nação, da comunidade. A política é não haver política, é reduzir à economia e à gestão todos os problemas políticos. É deixar os mercados funcionar e ver que tudo se arranja através das operativas mãos invisíveis.
Estas tendências mais uma vez se confirmaram nas comemorações do golpe de Estado do MFA: a esquerda veio para a rua lamentar-se de que as «conquistas» de Abril tenham atirado, quarenta anos depois, o país para o desemprego e para o salário mínimo mais baixo da Europa Ocidental – e inferior, com a correcção monetária, ao dos tempos da «ditadura»; e os devotos da «Comunidade internacional», de que o salazarismo nos separava, gritaram palavras de ordem patrióticas, com os comunistas e os bloquistas a exaltarem a soberania e a independência nacional.
A tal direita da mão invisível, a direita libertária, que andava oprimida há quarenta anos, veio também, não sei se hipócrita se estupidamente, celebrar Abril, misturando com outras libertações a «restauração democrática» (como se os democratas da Primeira República alguma vez respeitassem a liberdade dos seus adversários políticos monárquicos, católicos ou nacionalistas).
Há quarenta anos, o golpe militar pretoriano e o ensaio da revolução socialista que se lhe seguiu tiveram duas consequências: uma foi, no final de um complexo PREC, a criação de uma democracia liberal com objectivos constitucionais socializantes, a democracia em que vamos vivendo; a outra, muito mais importante politicamente, foi a redução do poder nacional, com a perda do Império e com os custos económicos que vieram da socialização violenta do 11 de Março e do «espírito socialista» da Constituição.
Com estas perdas, perdemos – perdeu o país – a capacidade económica para pagar um Estado Social e garantir a independência financeira perante o exterior.
É esta a segunda parte da história que os comemoracionistas não querem reconhecer – por burrice ou conveniência.
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