Carlos
Neves
A
ligação entre a religião e a agricultura perde-se na memória dos tempos. No
Antigo Testamento, lemos que a vida dos Judeus no Egipto melhorou depois de
José ter interpretado bem as vacas gordas e magras do sonho do faraó,
antecipando a fartura e fome provocadas pela evolução da produção de trigo.
Recordemos também as inúmeras parábolas agrícolas que Jesus Cristo nos deixou:
a parábola do semeador, do trigo e do joio, dos trabalhadores da vinha, da
ovelha perdida, da figueira estéril…
Ao
longo da história humana, foram muitos os laços que se estabeleceram entre a
religiosidade popular e o ciclo das colheitas, entre a alegria pela abundância
dos frutos e a angústia pelas condições atmosféricas adversas que deitam a
perder o ano de trabalho e colocam em causa a própria sobrevivência.
Muitas
tradições e festas populares são herdeiras e mantêm a relação entre o
cristianismo e a agricultura, como a bênção de animais e oferendas dos produtos
agrícolas. Mas quanta dessa fé se vive na autenticidade e quanta é apenas a
tradição à flor da pele?
A prática cristã dos agricultores provavelmente ainda é superior à média
da sociedade envolvente. Mas participam activamente na vida da Igreja
e dos movimentos laicais ou limitam-se à Eucaristia dominical?
Beber vinho já não dá de comer a um milhão de portugueses. Portugal já
não é o país rural da primeira metade do século XX. A agricultura perdeu peso
económico e social à medida que avançaram primeiro a indústria, depois os
serviços e as novas tecnologias. Mas veio a crise, e tal como o filho pródigo,
milhares de «novos agricultores» regressam a terras antes abandonadas e
juntam-se a outros milhares de «filhos mais velhos», que resistiram a partir e
mantiveram viva a agricultura durante a travessia do deserto que
o sector passou nas últimas décadas. Com a ajuda da crise e as ajudas
de Bruxelas, perderam-se finalmente as «peneiras» e a vergonha de assumir a
agricultura. Outros ainda não digeriram bem esta mudança. Durante anos,
disseram-lhes que a agricultura portuguesa acabou, que não era competitiva, não
tinha futuro, que fugissem do trabalho da terra como o diabo da cruz.
Meio rural só para caça e turismo, certo? Pois… Mas quando a economia
pula e a população mundial avança temos de cultivar todos os terrenos
disponíveis. Alimentar o mundo é um trabalho importante, não é?
Que
sabem a Igreja, o clero e os diversos agentes pastorais da moderna agricultura
baseada na terra, no trabalho dos Homens e no estudo das Universidades de
Agronomia? Que pensa a Igreja sobre a especulação nos mercados de cereais e
pressão negocial dos Hipermercados? Que pode a Igreja propor a jovens
licenciados que recorrem às mais modernas tecnologias de informação e já não
rezam a Santa Bárbara quando troveja? Talvez …
Fé…
Apresentando e partilhando Jesus Cristo, desconhecido e distante de jovens com
muita informação e formação académica, pouca formação cristã, talvez demasiado
focados no trabalho mas porventura abertos a propostas de espiritualidade
quando vividas e autênticas?
Esperança… Apesar do positivo entusiasmo dos novos agricultores e da
recente atenção dedicada ao sector por políticos e jornalistas, a
maioria dos agricultores, idosa, vive na angústia ou desânimo e precisa de quem
recorde e pratique as bem-aventuranças para que se sintam também filhos amados
por Deus.
Caridade…
Amor ao próximo, respeito e defesa da dignidade do trabalhador agrícola na
sociedade, defesa do produtor (o elo mais fraco na cadeia económica que vai do
prado ao prato), promoção de consciência ecológica, segurança alimentar e
respeito pelo bem-estar animal, desafio para a partilha de alimentos com os que
passam fome, enfim, viver e propor todo um conjunto de valores que se resumem
no amor como caminho para uma vida em plenitude…
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