segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Fé na agricultura?

Carlos Neves

A ligação entre a religião e a agricultura perde-se na memória dos tempos. No Antigo Testamento, lemos que a vida dos Judeus no Egipto melhorou depois de José ter interpretado bem as vacas gordas e magras do sonho do faraó, antecipando a fartura e fome provocadas pela evolução da produção de trigo. Recordemos também as inúmeras parábolas agrícolas que Jesus Cristo nos deixou: a parábola do semeador, do trigo e do joio, dos trabalhadores da vinha, da ovelha perdida, da figueira estéril…
Ao longo da história humana, foram muitos os laços que se estabeleceram entre a religiosidade popular e o ciclo das colheitas, entre a alegria pela abundância dos frutos e a angústia pelas condições atmosféricas adversas que deitam a perder o ano de trabalho e colocam em causa a própria sobrevivência.

Muitas tradições e festas populares são herdeiras e mantêm a relação entre o cristianismo e a agricultura, como a bênção de animais e oferendas dos produtos agrícolas. Mas quanta dessa fé se vive na autenticidade e quanta é apenas a tradição à flor da pele?

A prática cristã dos agricultores provavelmente ainda é superior à média da sociedade envolvente. Mas participam activamente na vida da Igreja e dos movimentos laicais ou limitam-se à Eucaristia dominical?

Beber vinho já não dá de comer a um milhão de portugueses. Portugal já não é o país rural da primeira metade do século XX. A agricultura perdeu peso económico e social à medida que avançaram primeiro a indústria, depois os serviços e as novas tecnologias. Mas veio a crise, e tal como o filho pródigo, milhares de «novos agricultores» regressam a terras antes abandonadas e juntam-se a outros milhares de «filhos mais velhos», que resistiram a partir e mantiveram viva a agricultura durante a travessia do deserto que o sector passou nas últimas décadas. Com a ajuda da crise e as ajudas de Bruxelas, perderam-se finalmente as «peneiras» e a vergonha de assumir a agricultura. Outros ainda não digeriram bem esta mudança. Durante anos, disseram-lhes que a agricultura portuguesa acabou, que não era competitiva, não tinha futuro, que fugissem do trabalho da terra como o diabo da cruz.

Meio rural só para caça e turismo, certo? Pois… Mas quando a economia pula e a população mundial avança temos de cultivar todos os terrenos disponíveis. Alimentar o mundo é um trabalho importante, não é?

Que sabem a Igreja, o clero e os diversos agentes pastorais da moderna agricultura baseada na terra, no trabalho dos Homens e no estudo das Universidades de Agronomia? Que pensa a Igreja sobre a especulação nos mercados de cereais e pressão negocial dos Hipermercados? Que pode a Igreja propor a jovens licenciados que recorrem às mais modernas tecnologias de informação e já não rezam a Santa Bárbara quando troveja? Talvez …

Fé… Apresentando e partilhando Jesus Cristo, desconhecido e distante de jovens com muita informação e formação académica, pouca formação cristã, talvez demasiado focados no trabalho mas porventura abertos a propostas de espiritualidade quando vividas e autênticas?

Esperança… Apesar do positivo entusiasmo dos novos agricultores e da recente atenção dedicada ao sector por políticos e jornalistas, a maioria dos agricultores, idosa, vive na angústia ou desânimo e precisa de quem recorde e pratique as bem-aventuranças para que se sintam também filhos amados por Deus.

Caridade… Amor ao próximo, respeito e defesa da dignidade do trabalhador agrícola na sociedade, defesa do produtor (o elo mais fraco na cadeia económica que vai do prado ao prato), promoção de consciência ecológica, segurança alimentar e respeito pelo bem-estar animal, desafio para a partilha de alimentos com os que passam fome, enfim, viver e propor todo um conjunto de valores que se resumem no amor como caminho para uma vida em plenitude…





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