quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Doze euros/mês para cortar o cabelo

António Sílvio Couto

Por estes dias foi noticiado, primeiro num jornal diário de teor económico e depois noutros, que os trabalhadores da Carris – empresa rodoviária de transportes colectivos em Lisboa – vão solicitar – ao que parece será uma continuação e não uma reivindicação! – um subsídio mensal de doze euros para cortar o cabelo. Esta proposta pretende dar, assim, uma compensação aos ditos trabalhadores pela desactivação da rede de barbearias que serviu a empresa... até finais de 2007.

Por ser (quase) paradigmático de todo um processo reivindicativo e de outras tantas regalias adquiridas, este caso deveria merecer que atendessemos ao seu significado mais amplo... particularmente no sector do trabalho em Portugal. Com efeito, sem pretendermos exacerbar as discrepâncias entre sector público, onde quase tudo é permitido e quase nada tem retorno nem que isso possa parecer desonesto ou até imoral versus o sector privado onde, na maioria dos casos, as conquistas não têm louros de irreversibilidade... parece-nos que o preço do trabalho, no nosso país e em certas regiões urbanas, em particular, está inflacionado, dependendo de quem o vende e de quem o pretenda adquirir... sem contar com as condicionantes reivindicativas – vulgo greves, paralisações e manifestações – que a todos atingem para beneficiar (só) uns tantos!

Tentando fazer ainda um esforço de racionalidade, este pequeno «fait-divers» – havia até quem desejasse, de forma irónica, obter uma ajuda idêntica para compor as sobrancelhas, referia alguém do género feminino – parece ser um pouco revelador de certas regalias (ou direitos adquiridos) que ultrapassam a normalidade das ajudas em matéria de complementos de salário. Se formos analisar outras empresas e serviços poderemos ver múltiplas alcabalas que fazem encarecer a prestação do trabalho em razão da produtividade e dos encargos sociais públicos envolvidos... à custa dos nossos implacáveis impostos.

Não deixa de ser também preocupante que o escalonamento de trabalho seja (quase) sempre em desfavor dos que vivem fora das grandes áreas metropolitanas, esses que pagam também impostos e são, muitas vezes, tratados como menores em matéria de serviços sociais, tanto da saúde, como da segurança e mesmo no âmbito cultural.

Parece, por isso, que é chegada a hora de sacudir as peias de um certo sindicalismo, que já não conhece o espaço de trabalho, mas antes parece viver, na organização de protestos e tentando arrecadar louros que não lhe pertence... embora lhe convenha em matéria de ascensão política... a curto e médio prazo.

Num tempo em que urge rejuvenescer o compromisso político – pois é ainda por aqui que passa a capacidade de decidir e de eleger – não será com tricas de mau gosto que iremos sentir que somos todos iguais perante a lei e o Estado. Os actores de todo este processo ou se tornam heróis de verdade ou sobre eles convergirá o epíteto de farsantes ou mariotas de feira em saldo... ao desbarato.

Agora que temos de dar credibilidade àqueles que nos ajudam a vencer as dificuldades de tesouraria, vermos episódios como o que serviu de partida para esta reflexão farão rir os mais conceituados comediantes na arte circense, se bem que nem todos os que intervêm usufruem do papel principal... Ora, no contexto em que vivemos, os figurantes não podem usurpar a função de actores de primeira. Vejamos a caracterização dos tempos mais recentes no palco político/partidário e choraremos quais carpideiras do nosso luto nacional.

A terminar: doze euros por mês para cortar o cabelo nem é muito, o problema será o que isso denuncia de outros favores escondidos e, possivelmente, mais caros e ardilosos... nesta como noutras empresas.

Portugal, a quanto estás obrigado a pagar... injustificadamente!





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