António
Sílvio Couto
Por estes dias foi noticiado, primeiro num jornal
diário de teor económico e depois noutros, que os trabalhadores da Carris –
empresa rodoviária de transportes colectivos em Lisboa – vão solicitar – ao que
parece será uma continuação e não uma reivindicação! – um subsídio mensal de
doze euros para cortar o cabelo. Esta proposta pretende dar, assim, uma
compensação aos ditos trabalhadores pela desactivação da rede de barbearias que
serviu a empresa... até finais de 2007.
Por ser (quase) paradigmático de todo um
processo reivindicativo e de outras tantas regalias adquiridas, este caso
deveria merecer que atendessemos ao seu significado mais amplo...
particularmente no sector do trabalho em Portugal. Com efeito, sem pretendermos
exacerbar as discrepâncias entre sector público, onde quase tudo é permitido e
quase nada tem retorno nem que isso possa parecer desonesto ou até imoral
versus o sector privado onde, na maioria dos casos, as conquistas não têm
louros de irreversibilidade... parece-nos que o preço do trabalho, no nosso
país e em certas regiões urbanas, em particular, está inflacionado, dependendo
de quem o vende e de quem o pretenda adquirir... sem contar com as
condicionantes reivindicativas – vulgo greves, paralisações e manifestações –
que a todos atingem para beneficiar (só) uns tantos!
Tentando fazer ainda um esforço de
racionalidade, este pequeno «fait-divers» – havia até quem desejasse, de forma
irónica, obter uma ajuda idêntica para compor as sobrancelhas, referia alguém
do género feminino – parece ser um pouco revelador de certas regalias (ou
direitos adquiridos) que ultrapassam a normalidade das ajudas em matéria de
complementos de salário. Se formos analisar outras empresas e serviços
poderemos ver múltiplas alcabalas que fazem encarecer a prestação do trabalho
em razão da produtividade e dos encargos sociais públicos envolvidos... à custa
dos nossos implacáveis impostos.
Não deixa de ser também preocupante que o
escalonamento de trabalho seja (quase) sempre em desfavor dos que vivem fora
das grandes áreas metropolitanas, esses que pagam também impostos e são, muitas
vezes, tratados como menores em matéria de serviços sociais, tanto da saúde,
como da segurança e mesmo no âmbito cultural.
Parece,
por isso, que é chegada a hora de sacudir as peias de um certo sindicalismo,
que já não conhece o espaço de trabalho, mas antes parece viver, na organização
de protestos e tentando arrecadar louros que não lhe pertence... embora lhe
convenha em matéria de ascensão política... a curto e médio prazo.
Num tempo em que urge rejuvenescer o compromisso
político – pois é ainda por aqui que passa a capacidade de decidir e de eleger
– não será com tricas de mau gosto que iremos sentir que somos todos iguais
perante a lei e o Estado. Os actores de todo este processo ou se tornam heróis
de verdade ou sobre eles convergirá o epíteto de farsantes ou mariotas de feira
em saldo... ao desbarato.
Agora que temos de dar credibilidade àqueles que
nos ajudam a vencer as dificuldades de tesouraria, vermos episódios como o que
serviu de partida para esta reflexão farão rir os mais conceituados comediantes
na arte circense, se bem que nem todos os que intervêm usufruem do papel
principal... Ora, no contexto em que vivemos, os figurantes não podem usurpar a
função de actores de primeira. Vejamos a caracterização dos tempos mais
recentes no palco político/partidário e choraremos quais carpideiras do nosso
luto nacional.
A terminar: doze euros por mês para cortar o
cabelo nem é muito, o problema será o que isso denuncia de outros favores
escondidos e, possivelmente, mais caros e ardilosos... nesta como noutras
empresas.
Portugal, a quanto estás obrigado a pagar...
injustificadamente!
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