domingo, 25 de março de 2012

Um pecado colectivo

Nuno Serras Pereira, 25. 03. 2012

Houve em Portugal dois referendos sobre o aborto. Um em 1998, cuja pergunta a que os votantes eram chamados a responder era a seguinte: «Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»; o outro em 2007 pedia-nos que nos pronunciássemos exactamente sobre a mesma questão: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?». Na primeira faltam duas vírgulas, mas o sentido mantem-se inalterado, e na segunda o 10 está por extenso.

Em ambas as consultas populares os movimentos do Não denunciaram que a resposta positiva, isto é o Sim, à interrogação implicaria a liberalização do aborto. De facto, acarretaria uma despenalização não só para a mulher que decidisse abortar mas também para quantos provocassem o abortamento e/0u que nele fossem cúmplices. A exigência deste ser efectuado num “estabelecimento de saúde” era uma clara indicação de que o estado não só renunciaria a respeitar e a tutelar a dignidade e a vida dos mais inocentes e vulneráveis, dando desse modo uma garantia ao agressor de que a sua vítima não seria protegida, mas também que se fazia executor ou carrasco, através dos seus serviços ou dos que com ele estivessem concessionados, das crianças concebidas em processo de nascimento. E uma vez que o homicídio sob a forma de abortamento fosse considerado um serviço de saúde daí decorreria que o estado o subvencionaria, com o dinheiro dos nossos impostos, violentando assim a nossa consciência bem como a liberdade religiosa. Tudo isto, e muito mais, foi dito e redito até à exaustão aquando dos tempos que antecederam a consulta ao povo eleitor. Está escrito, está gravado quer sonora quer visualmente.

Em 1998 o Não ganhou ao Sim por uma ligeira diferença: no primeiro votaram 1.356.754 (50,9%) cidadãos enquanto no segundo 1.308.130 (49,1%). Porém, em 2007 os resultados inverteram-se, com grande subida do Sim. De facto, este obteve 2.238.053 (59,25%) enquanto o Não ficou-se pelos 1.539.078 (40,75%). Enquanto o Sim regista uma subida de 930 mil votos o Não sob somente 182 mil. Se tivermos em conta que em 1998, principalmente no norte, grande parte de membros da Igreja e de outros actores sociais favoráveis ao Não fizeram campanha pela abstenção verificar-se-á que a distância será ainda mais significativa.

Infelizmente os membros da Igreja ainda não fizeram um exame de consciência nem os movimentos cívicos do Não uma autocrítica de modo a deslindarem se e em que medida têm a sua quota de responsabilidade, e a descobrirem aquilo em que falharam, e que pode e deve ser corrigido. É possível que o motivo desta omissão seja o de manter a paz e a não fomentar desunião. Mas a verdade é que a paz quando é podre derranca e corrompe aqueles que nela habitam e a promovem, e que há uma santa discórdia gerada por Aquele que veio para ser sinal de contradição (Lc 2, 34), trazendo conSigo a espada que provoca desavença inclusive nas uniões mais naturais (Mt 10, 34).

Não há duvidar que por parte dos propugnadores do Sim houve uma enorme manipulação sustentada por poderosas forças de propaganda aliadas a uma desmedida hegemonia na comunicação social e a uma clara supremacia económica. No entanto, isso não só não explica tudo como deixa de lado o principal.

É absolutamente necessário conhecer a verdade e afirmá-la sem truques que a distorçam, nem manhas, nem astúcias. Para mim é incontroverso que o povo português, com seus representantes por ele escolhidos, na sua maioria, isto é, a nação portuguesa, cometeu um gravíssimo pecado aos olhos de Deus. E que por isso importa muito fazer penitência pública, actos de reparação e de desagravo aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, Sua e nossa mãe. E que isso importa não só à nossa salvação eterna e à conversão dos pecadores mas também à nossa sobrevivência como nação e como estado de direito.

Dizia o Professor César das Neves, em entrevista a um canal da televisão, que andamos agora num alvoroço procurando apagar o incêndio que lavra nos cortinados desta nossa casa que é Portugal, todavia descuramos coisas mais importantes de que ninguém fala nem se ocupa como sejam as seis pseudo-leis que a petição “Defender o Futuro” quer derrogar. De facto, há um fogo abrasador que está consumindo e minando os alicerces de Portugal mas como é menos visível, apesar de ser muito mais perigoso, ninguém se sobressalta nem acode a extingui-lo. E, não obstante, essa é rigorosamente uma estrita obrigação dos políticos cuja missão consiste em defender promover o bem-comum.

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