Gonçalo Portocarrero de Almada
Colin Atkinson está a passar as passas do Algarve em terras da sua graciosa majestade britânica. Com efeito, foi-lhe instaurado um processo disciplinar pela Wakefield and District Housing, de que é, desde 2006, funcionário. O motivo é insólito, porque este electricista não falta ao trabalho, não é incompetente, não desrespeita os patrões, não implica com os colegas, não é indelicado com os clientes. O crime de Atkinson é ser cristão e ter o atrevimento de usar uma singela cruz no parabrisas do carro de serviço. Se fosse uma figa, uma ferradura ou um peluche, ninguém se incomodaria, mas uma cruz é, pelos vistos, intolerável e, por isso, Colin Atkinson corre sérios riscos de ser posto na rua, mas desta vez sem a viatura.
É da praxe, em certos veículos pesados, a exibição de «posters» de muito mau gosto, mas ninguém fica perturbado pelo facto, nem é razão para uma sanção laboral. Que uma pessoa ande escandalosamente trajada na via pública – seja uma mulher de barriga ao léu, ou um rapaz de cuecas à mostra – não é tido por indecente. Mas se um crente usar um discreto símbolo religioso, é logo acusado de agredir o próximo, nomeadamente quantos não professam a sua religião. Para a responsável Jayne O’Connell, a pequena cruz que Colin Atkinson usa no seu carro poderia ofender as pessoas e é política da Wakefield and District Housing «ser respeitosos com todas as confissões e pontos de vista». Menos o cristão, claro.
Diga-se de passagem que tem o seu quê de absurdo este dogma laicista. Porque carga de água uma cruz há-de ser insultuosa para os não cristãos, se nenhum cristão se sente ultrajado por um crescente, ou por uma estrela de David? E porque não entender que um amuleto é também ofensivo, não apenas para a fé, mas também para a razão? E as orquestras, não serão acintosas para os surdos? E os museus, não são também, vistos por esse prisma, desrespeitosos para com os invisuais? Será que as fotografias dos familiares do anfitrião são indelicadas para os seus convidados, só porque não são os parentes deles? Ou seria desejável que o dono da casa retirasse todos os retratos de família, cada vez que recebe alguém?
No Restelo, há uma escultura de Mohandas K. Gandhi, por onde passo com frequência e confesso que nunca me senti ofendido por aquela estátua. Agrada-me esta merecida homenagem ao insigne apóstolo da paz, embora não siga a sua espiritualidade, não partilhe a sua opção vegetariana, nem concorde com algumas das suas atitudes morais. Não creio que a ninguém lhe cause incómodo a efígie do Mahatma na via pública, a não ser que a singeleza do seu trajar provoque, em pleno inverno, alguns arrepios aos transeuntes mais friorentos. Mas isso não quer dizer que a sua imagem seja agressiva para os amantes de mais tépidas temperaturas, como também o facto de não ser cristão o não faz insolente para quantos o somos, graças a Deus.
A ideia de que qualquer opção cultural, religiosa ou não, que não seja politicamente correcta, deve ser ocultada e suprimida é, na sua essência, totalitária. A proibição de manifestações externas de culto, mais do que um ataque às religiões, é um atentado à liberdade. Não é por acaso que os inimigos da liberdade o são também da presença pública de símbolos religiosos. Por isso, Estaline arrasou inúmeras igrejas e Salazar não permitiu que a sinagoga de Lisboa fosse visível da via pública.
Há menos de um século, um tresloucado líder político europeu propôs-se erradicar da face da terra a raça judaica. Chamava-se Hitler, Adolf Hitler. Temo que os modernos inimigos do divino crucificado, também ele judeu, sejam uma nova modalidade do mesmo ódio. Depois de proibirem todas as manifestações públicas da fé cristã, é provável que se proponham também exterminar o povo que tem, por seu Senhor e Mestre, a Jesus de Nazaré e, por bandeira, a sua santa cruz.
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