sexta-feira, 26 de março de 2010

Sofia Costa Guedes:

«Acredito na família constituída por um homem, uma mulher e uma descendência natural.»


Sofia Costa Guedes

Sofia Barbosa de Almeida Costa Guedes foi a mandatária nos pedidos de referendo para o Aborto e a PMA (procriação medicamente assistida) e voltou a sê-lo agora, lutando contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já foi condecorada pelo seu empenho na causa da Vida, e distingue-se da maioria católica 'adormecida' por um discurso de Fé vigoroso e exaltante e um voluntariado infatigável junto das camadas mais ignoradas da população. Tomou um chá com Rita Ferro no Guincho, frente ao mar, convicta de que, do seu lado da barricada, haverá uma outra maioria silenciosa.

Rita Ferro - Diariamente contraria o egoísmo, ajudando causas e pessoas. Sente que as pessoas desconfiam de quem pratica o bem?

Sofia Costa Guedes - Muito do egoísmo deve-se ao desconhecimento, que gera falta de liberdade nas escolhas. A verdade é escondida à maior parte das pessoas, ou seja, só lhes é apresentada uma parte da realidade. Penso que as pessoas não desconfiam de quem pratica o Bem, quando sentem que resulta de uma convicção profunda.

- O 'Bem' é um impulso natural ou trabalhado?

- O Bem, tal como o Mal, está inscrito em cada ser humano. Se soubermos ler os Capítulos 1 e 2 dos Génesis encontramos essas duas forças. O Bem é um impulso que tem de ser trabalhado porque convive com o Mal, este sempre apresentado de uma forma aliciante e enganosa. Além disso, o Bem desperta no ser humano a sua integridade, equilibrando-nos e harmonizando-nos em todas as frentes: social, física, psíquica, racional, emocional. É mais fácil optar-se pelo Mal (e o Mal tem muitas faces) do que pelo Bem, mas o gozo e o resultado final são incomparáveis!

- Há registo do número de pessoas que, em torno da Igreja, prestam voluntariado?

- Não faço ideia, porque o voluntariado da Igreja é geralmente discreto, silencioso e natural. Logo, não 'marca pontos'. Não se mede em número de pessoas, mas no êxito das suas acções.

- Mudo então a pergunta: com tanta 'instituição de solidariedade social' a surgir todos os dias, pode dizer-se que a Igreja continua a 'liderar' a caridade no Mundo?

- Sem dúvida. As instituições da Igreja têm uma atitude corajosa e humilde. Basta ver o exemplo da Caritas, visitar as suas instalações, conversar com os seus colaboradores; logo aí se percebe que a ajuda procura ser total. Não se preocupa com o protagonismo ou em 'sair bem na fotografia'. Não gasta dinheiro em meios para se autopromover. E chega, geralmente, quando os outros saem de cena... A Igreja está em todos os cantos do Mundo e acolhe todos sem se impor!

- Sente, por parte da comunidade, gratidão pelos serviços que presta, ou, pelo contrário, lê nalguns olhares o desmotivante "estás armada em santinha"?

- Sou sincera: já tive essa preocupação. Mas cresci, cresci a amar as pessoas todas, mesmo as que me interpretam mal. Hoje sou completamente indiferente aos insultos. Cheguei à conclusão de que é sempre por ignorância, e a ignorância não é pecado, é apenas consequência de um outro, esse grave: não procurar libertar as pessoas dessa ignorância. É o que tento fazer diariamente: crescer ajudando os outros a valorizarem-se, a saberem-se úteis e capazes na vida que lhes foi dada.

- O povo português é maioritariamente cristão e baptizado, mas é preguiçoso nas práticas e relaxado na doutrina. A sensação que dá é a de que, em apenas uma geração, os católicos se desligaram da Igreja e entraram em autogestão, observando umas práticas e ignorando outras. Na sua opinião, o que pode ter contribuído para essa, chamemos-lhe assim, anarquia religiosa?

- O que me parece é que esta crise resulta da confusão clássica entre liberdade e libertinagem. Pôs-se Deus de lado e foi-se perdendo o respeito pelos outros, porque nos fomos tornando cada vez mais individualistas. O slogan passou a ser "Faz o que queres e eu faço o que quero". E a política, encontrando na desordem uma oportunidade para se impor, retirou a Igreja do caminho, forçando subtilmente as pessoas a perderem-se do princípio que ela sempre defendeu: liberdade na responsabilidade. Mas não podemos desanimar! Na História sempre houve situações de crise política, social e religiosa, mas, no fim, o Bem triunfa porque Cristo continua Vivo! A queda do Muro de Berlim é um exemplo!

- Em 2007, recebeu uma medalha de Mérito da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, pelo empenho na Causa da Vida, declarando-se publicamente contra o aborto. Trata-se de um tema que desperta dúvidas tanto em crentes como em ateus responsáveis. Nunca teve dúvidas?

- Dúvidas? Posso dizer que estive a dormir e que o assunto quase me era indiferente. Mas a partir do momento em que reconheci no ser humano a legitimidade de viver para além da vontade ou da conveniência humanas, mudei radicalmente de posição, ou seja, passei da indiferença à 'paixão' pela Vida. E hoje, passados tantos anos de envolvimento nessa causa, vivendo tão de perto a realidade, prometi a mim mesma que onde quer que esteja uma grávida a querer abortar, tudo farei no sentido de lhe dar forças e apoio para não o fazer!

- Além de mandatária por essa causa, foi-o também agora, no pedido de referendo para o casamento entre pessoas do mesmo sexo...

- Quando nos movemos por uma cultura de família, uma cultura ecologicamente humana, e se vive essa dinâmica de vida e de 'eternidade', não se arrisca. Acredito na família constituída por um homem, uma mulher e uma descendência natural. Como católica, acredite que sinto a responsabilidade de rezar pelos nossos governantes e peço sempre que Deus aumente o meu amor por eles.

- E a PMA (procriação medicamente assistida), que pode representar a esperança para a esterilidade de tantas mulheres?

- Há muitas formas de viver a maternidade e a paternidade. Apesar do sofrimento de não se poder ter filhos biológicos, existem formas de amar os filhos, mesmo que não sejam 'naturais', sem que para isso se tenha de 'forçar' a Natureza. De outra forma, como serão as vidas daqueles que nascem por via dessas técnicas, sem poderem saber de onde vêm e conhecer os verdadeiros pais? E se porventura não correspondem às expectativas daqueles que os 'quiseram'? E os embriões que se congelam e acabam por não ser implantados? Estão ali vidas em potência! Que destino lhes dão? O caixote de lixo? Quem controla e legisla tudo isto? Enfim: tantas questões tão mal respondidas... Tudo tão contranatura... E a lei lá passou, com o sinal verde da ignorância de muitos sob o poder de alguns.

- Quem assume posições como as suas, contracorrente, é acusado de hipócrita, fundamentalista, cruel e até 'troglodita'. Como se defende?

- Não me defendo. Defendo a vida, mesmo a dos que me acusam. Não tenho medo, porque eu amo as pessoas. Todas! E amo profundamente este caminho por que optei. Todos os dias faço um balanço do meu dia, pedindo perdão pelo que não fiz ou fiz mal.

- Que argumentos usa?

- A minha própria vida!

- Coordena há dez anos o projecto Presépio na Cidade. Em que consiste exactamente?

- Fundamentalmente, é um projecto de evangelização de rua, exercida no contacto permanente com as pessoas, interpelando-as, convidando-as a participar em iniciativas que têm como objectivo ajudar os outros. Vamos às prisões e aos hospitais, onde as pessoas se sentem sós, desesperadas e frágeis. E nós falamos-lhes do amor de Jesus, dizemos-lhes como elas são amadas, queridas e importantes para o Mundo. Todos os 'missionários' deste projecto têm histórias lindas que viveram, que não aparecem nos jornais nem são notícia, mas que mudaram a vida de muita gente!

- É casada, tem três filhos e dois netos. Em que difere uma família católica de outra qualquer?

- O casamento católico tem um selo divino, que nos inflama com a Graça de Deus. Que torna possível aquilo que aparentemente parece impossível: uma fidelidade até à morte, apesar das dificuldades normais, próprias de todas as relações.

- Convive com muita gente boa e gratuita na sua relação com os outros. Que mensagem de esperança gostaria de nos deixar?

- Que, independentemente do que foi a nossa vida, temos o 'agora' para nos transformarmos em 'homens e mulheres novos'. Que essa certeza vem de um Deus que nos ama, apesar de tudo o que somos e não somos, e que só quer a nossa felicidade.






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