quarta-feira, 21 de outubro de 2020

A Espanha à beira do precipício

 

Gonçalo Dorotea Cevada 

(extractos) 

Triste, assustador e perigoso, e qualquer semelhança com a Venezuela de Chávez e Maduro não é pura coincidência.

Corria o ano de 1992 e o então major venezuelano Hugo Chávez aventurou-se numa tentativa de golpe de Estado militar que o condenou a dois anos de prisão.

Quatro anos mais tarde, em 1998, o mesmo Hugo Chávez, numas eleições democráticas, ganhou e tornou-se presidente daquele país.

Chávez percebeu que as revoluções contemporâneas já não se faziam com tanques e armas, com ameaças de morte ou exílios forçados, mas, antes, «por dentro» e legitimadas por eleições e processos eleitorais democráticos.

Outros, com maior ou menor pudor, e, claro, com maior ou menor sucesso, seguiram-lhe o caminho: Evo Morales, na Bolívia, e Cristina Kirchner, na Argentina, são exemplos.

Ora, em todos estes fenómenos houve um resultado comum: um nível de corrupção e de concentração de poderes nunca antes vistos em estados considerados democráticos.

No entanto, o exemplo de Hugo Chávez não se limitou, nem se limita, à América Latina.

Em 2013, numa entrevista à televisão pública venezuelana, Pablo Iglesias definiu o país sul-americano como um «exemplo democrático».

Um ano antes, num tweet entretanto eliminado, Alberto Garzón afirmou que «o único modelo de consumo sustentável e com desenvolvimento humano Cuba».

Hoje, em 2020, Pablo Iglesias e Alberto Garzón são, respectivamente, Vice-Presidente e Ministro do Consumo do governo espanhol. 

Os perversos, mas inteligentes, dirigentes do Unidos Podemos cedo perceberam que a sua revolução só ultrapassaria a utopia da rua, das Portas do Sol e das salas de aulas de Ciência Política da Complutense de Madrid chegando ao governo e ao Palácio da Moncloa.

E assim foi, com dois detalhes não menos importantes: primeiro, financiados ilegalmente por narco-ditaduras; e, segundo, manipulando a opinião pública com a invenção de casos judiciais, apresentando-se como vítimas de realidades paralelas e construídas pelos mesmos.

Ainda assim, e com o pior resultado eleitoral de sempre do partido de extrema-esquerda radical, Pablo Iglesias fez xeque-mate ao PSOE e conseguiu, por fim, um lugar cimeiro no Conselho de Ministros do governo espanhol.

Uma vez no poder, o guião, que nem precisou de ser traduzido, chega a confundir-se com o da Venezuela de Hugo Chávez.

Primeiro objectivo (este ainda em curso): silenciar e vilipendiar a oposição com insultos do tipo «fascistas» e «franquistas», pelo simples facto de os outros acharem que retirar os restos mortais de um ditador desaparecido há mais de 40 anos não é um assunto relevante para a Espanha do século XXI, onde o desemprego está prestes a ultrapassar a barreira dos 15% num país com mais de 40 milhões de habitantes.

Segundo objectivo (este aparentemente falhado): adoptar uma postura de confronto declarado a qualquer meio de comunicação social independente que não siga a narrativa imposta por si e pelo actual governo.

Sobre este ponto, o executivo espanhol chegou a exigir, durante a Primavera de 2020, que qualquer jornalista presente nas conferências de imprensa sobre a Covid-19 em Espanha enviasse as suas perguntas de maneira prévia, para que estas fossem revistas e selecionadas pelo chefe de gabinete de Pedro Sanchéz, o sinistro Iván Redondo, qual Ministro da Verdade orwelliano.

Esta tentativa de silenciamento falhou porque vários jornalistas e vários meios de comunicação social de referência, como El Mundo e o ABC ameaçaram boicotar esta tentativa (...)

Terceiro objectivo (este entretanto atingido): ocupar o lugar de topo no Conselho Nacional de Segurança do Estado espanhol.

Com isto, Pablo Iglesias controla hoje todos os segredos de Estado e acede a toda e qualquer informação de segurança considerada classificada. Um perigo, portanto.

Quarto objectivo (este ainda em curso): debilitar o Estado e todas as suas instituições democráticas resultantes (e devidamente sufragadas pelo povo no referendo à Constituição de 1978) da transição para a democracia no final dos anos 70.(...)

Quinto objectivo (este é ainda um copo meio cheio, meio vazio): controlar a Justiça.

Parte já foi conseguido com a nomeação de Dolores Delgado, até há um ano Ministra da Justiça do governo de Pedro Sanchéz e hoje Fiscal General del Estado (o equivalente português à Procuradoria-Geral da República).

Uma espécie de braço armado do Executivo de esquerda numa função que se quer independente e apartidária.

E, mais recentemente, alterar a forma como são nomeados os 20 vogais do Consejo General del Poder Judicial – de onde sai o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (...)

Ora, a proposta surgiu no início desta semana e defende que os 20 juízes passem a ser eleitos por maioria absoluta simples, isto é, metade mais um, em vez da actual maioria qualificada de 3/5 no parlamento espanhol e no senado.(...)

Algo gravíssimo e que, quando visto noutras geografias da Europa, como na Polónia – acusada de destruir o que ainda resta do Estado de Direito naquele país – fez soar todos os alarmes e todas a críticas (e bem!) de Bruxelas e do Partido Socialista Europeu.

A oposição espanhola e várias associações de juízes já vieram anunciar que recorrerão a todas as instâncias judiciais domésticas e europeias para travar uma lei que, no seu espírito, não pretende mais do que matar o princípio da separação de poderes, da independência dos magistrados e do Estado de direito.

Tudo isto, no meio de uma pandemia, onde Espanha lidera todos os rankings de falecidos, de doentes e de profissionais de saúde infectados com a Covid-19.

Tudo isto, no meio de uma crise económica e social sem precedentes: o FMI e a OCDE colocam Espanha como a economia desenvolvida que mais riqueza perderá em 2020, com uma queda do PIB perto dos 15% e com uma taxa de desemprego de guerra que não se recuperará até 2026.

Esta semana, o Banco de Espanha alertou para o crescimento do risco de pobreza e que esta poderá atingir 11 milhões de pessoas no final deste ano.


Triste, assustador e perigoso, e qualquer semelhança com a Venezuela de Chávez e Maduro não é pura coincidência.

É antes consequência e resultado da mesma cartilha que não vale, além de criar Estados falhados, falidos e que multiplicam a inflação, a pobreza e a fome a um ritmo assustadoramente industrial.





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