sábado, 2 de março de 2019

O celibato não é o problema, é a solução


Pe. Carter Griffin, Actualidade Religiosa, 27 de Fevereiro de 2019

Muitos católicos, incluindo os mais fiéis, parecem ter desistido de defender o celibato sacerdotal. Na nossa era pós-revolução sexual, muitos vêem o celibato como uma repressão pouco saudável das vontades sexuais, fomentando a epidemia de abusos sexuais na Igreja que hoje conhecemos. Segundo esta linha de pensamento, se nos queremos livrar dos abusos sexuais na Igreja, temos de nos livrar do celibato.

Esta é uma solução que, nas palavras de um crítico literário, é «limpa, plausível e errada».

O problema não é o celibato. Dizer que os abusos sexuais entre o clero são causados pelo celibato é como dizer que a culpa do adultério é do casamento. Em ambos os casos estamos perante violações de votos sagrados, promessas que beneficiam da ajuda do Senhor para serem vividas fielmente. Por outras palavras, permitir aos padres que se casem não evitaria as transgressões sexuais. O casamento, infelizmente, não é um espaço imune ao escândalo e ao abuso sexual.

O problema não está no celibato, está no celibato mal vivido. É causado por padres que não vivem castamente. A resposta não é a eliminação do celibato, mas exigir que os padres, tal como as pessoas casadas, vivam a exigência da sua vocação.

De facto, o celibato é em si um dom precioso e insubstituível para a Igreja. Costuma ser definido de forma negativa, como «não casar», mas é antes uma escolha positiva, uma forma poderosa de amar, com uma unicidade de propósito e uma abertura de coração única. Permite a um padre viver a sua paternidade espiritual com particular força e eficácia.

Durante séculos os benefícios espirituais do celibato sacerdotal enriqueceram a Igreja e até a cultura mais alargada. Abolir o celibato num momento de desespero não só não resolveria o problema dos abusos sexuais, como também privava as gerações futuras das inúmeras graças de paternidade espiritual que nos chegam através do celibato sacerdotal.

Mas então como é que podemos explicar esta tempestade de escândalos? A história não é bonita, mas há boas notícias para o fim.

Em primeiro lugar, durante décadas houve surpreendentemente pouco escrutínio dos candidatos à formação sacerdotal. Normalmente bastava a recomendação de um pároco e uma demonstração de aptidão académica, não havendo investigação rigorosa da maturidade espiritual nem do carácter moral, referências ou exames psicológicos.

A Igreja insistiu persistentemente que homens com inclinações homossexuais não deviam ser admitidos ao seminário (o documento mais recente neste sentido foi aprovado pelo Papa Francisco em 2016). Todavia, estes homens eram admitidos em grande número.

A maioria dos padres com atracção pelo mesmo sexo não são, claro, culpados de abusos sexuais e vivem fielmente. Ainda assim, a grande maioria dos casos de abusos por padres envolvem o abuso homossexual de rapazes. Por mais controversa que tenha sido, a sabedoria da Igreja tornou-se hoje claríssima. Ignorá-la tem tido consequências terríveis para a vida de milhares de jovens ao longo de várias décadas.

Em segundo lugar, durante anos os seminaristas receberam uma formação lamentavelmente inadequada para viver o celibato casto. Segundo o testemunho de padres formados nesses anos turbulentos entre as décadas de 70 e 80, a vida interior e as práticas ascéticas necessárias para sustentar uma castidade saudável não eram inculcadas. Muitos homens foram mesmo ordenados com a ideia errada, reforçada pelos formadores no seminário, de que a obrigação do celibato seria em breve abolida.

Nalguns seminários existia uma cultura de libertinagem sexual entre seminaristas e até entre formadores que corrompia jovens vulneráveis ou afastava, enojados, os que procuravam a virtude. A situação era tanto pior quanto, em muitos seminários, a dissidência teológica e a experimentação litúrgica eram uma praga, levando a uma duplicidade hipócrita que os homens levaram com eles para o sacerdócio.

A infidelidade intelectual conduz, invariavelmente, à infidelidade moral. Se eu posso distorcer os ensinamentos da Igreja ao sabor das minhas opiniões, preferências e desejos, porque é que hei-de limitar essa arrogância às proposições dogmáticas e normas litúrgicas? Porque não aos preceitos morais também? O preço a pagar na Igreja pela dissidência que durante anos fermentou nas faculdades de teologia tem sido muito alto tanto em termos de confusão doutrinal e litúrgica como, diria, em termos de abusos sexuais.

Por fim, depois de ordenados, alguns dos padres que cresceram neste clima de duplicidade permissiva foram, sem grandes surpresas, infiéis. E raramente foram censurados por isso pelos seus superiores. Alguns foram transferidos para novos serviços, quase nenhum foi demitido do estado clerical. Muitos bispos perderam a coragem e a confiança. A dimensão da corrupção entre o clero era uma vergonha embaraçosa para os bispos e o resultado é que surgiu uma cultura de profundo secretismo que agora está a ser revelada.

Felizmente a história não acaba aqui. Contra todas as expectativas, muitos padres e bispos permaneceram fiéis através dessas décadas negras e hoje honramos o seu testemunho heroico. Depois, em 1992, foi publicado o documento seminal Pastores Dabo Vobis em que São João Paulo II propôs um retrato estimulante do sacerdócio e da formação nos seminários.

Nos anos seguintes este documento foi aplicado de forma desigual pelo mundo, mas o aumento da qualidade da formação foi inquestionável. Os requisitos para admissão na maioria das dioceses têm aumentado e a qualidade de formação na maioria dos seminários melhorou drasticamente. Embora muitas pessoas não o compreendam, a reforma do clero começou há bem mais de duas décadas.

Claro que ainda há muito para fazer. Uma vez que o celibato é uma forma privilegiada de viver a paternidade espiritual, devemos continuar a melhorar a selecção e formação de futuros padres à luz dessa paternidade. Eles devem estar imbuídos de uma identidade masculina confiante e um desejo normal e saudável pelo casamento e pela paternidade, bem como a capacidade madura de poder abdicar destes grandes dons para se poderem focar na paternidade sobrenatural e possuir, ou demonstrar aptidão para, as qualidades e virtudes humanas dos melhores pais naturais.

Depois de ordenados, os padres devem ter de viver segundo os mais altos padrões de castidade. Deve-se lidar com as violações desse compromisso de forma consistente, imediata e justa, com a seriedade correspondente a uma violação de confiança grave contra a família espiritual. A castidade – serena, profunda e alegre – ao serviço da paternidade espiritual é sem dúvida o caminho para uma reforma genuína no sacerdócio.

Com a melhor das intenções, os médicos medievais costumavam tratar as doenças sangrando os seus pacientes. Sem o saber, estavam a privá-los dos nutrientes de que precisavam para se curar. Aqueles que procuram curar a doença dos abusos sexuais na Igreja sangrando-a da graça do celibato não conseguirão curar a doença e privarão o corpo de Cristo dos nutrientes tão necessários à restituição da saúde.

Se queremos abordar o problema dos abusos sexuais praticados por membros do clero, podemos começar por exigir a mesma fidelidade aos nossos padres que exigimos a toda a gente, convidando-os a abraçar, através do dom do celibato, as bênçãos da paternidade sacerdotal de que precisamos mais do que nunca.

O padre Carter Griffin é sacerdote da Arquidiocese de Washington. Está envolvido, desde 2011, com a selecção e formação de seminaristas no Seminário São João Paulo II, em Washington, DC. O padre Griffin é licenciado pela Universidade de Princeton e é ex-oficial da marinha americana. O seu livro Why Celibacy?: Reclaiming Fatherhood of the Priest, será publicado pela Emmaus Road na Primavera. Uma versão mais longa desta deste artigo pode ser lido no site do First Things.





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