Parece acentuar-se em alguns meios a incompreensão quanto ao uso da batina por sacerdotes e religiosos. A sabedoria da Santa Igreja, entretanto, não falha. E é iniludível a sua preferência pela batina.
Não parecerá irrelevante o assunto? «Aquila non capit muscas». A Igreja não se preocupa com ninharias. E se toma posição em face da questão é porque esta não é supérflua nem vazia.
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Para compreendermos o pensamento da Igreja, devemos subir a considerações mais gerais.
Está na ordem natural das coisas que o homem espelhe a sua alma na fisionomia, na voz, na atitude, nos movimentos. E como o traje deve revestir o corpo humano, é natural que o homem se sirva também dele como elemento de expressão. Tanto mais que o traje a isto se presta eximiamente.
Ora, a necessidade da expressão da alma é uma consequência imperiosa do instinto de sociabilidade. De onde, recusar ao homem esta possibilidade é, em si, falsear o próprio modo de ser da alma.
Por isto, os costumes sociais consagraram em todos os tempos e lugares certos trajes como característicos de profissões ou estado de vida, que exijam uma conformação da alma muito peculiar. E sempre se entendeu, com razão, que o traje profissional auxilia o homem a realizar inteiramente a sua mentalidade. De um militar que tivesse antipatia à farda, de um juiz que tivesse ódio à toga, nada se auguraria de bom. Como, pelo contrário, negar respeito ao clérigo que ama a sua batina, e dela se ufana? Se um exército suprimisse o uso do uniforme, não levaria um profundo golpe no seu espírito?
Dizer-se, pois, que o hábito não faz o monge, ou a farda não faz o herói, é e não é verdade. Com efeito, o homem não se torna monge, ou militar, autêntico só por adoptar o traje próprio a tal estado. Mas o hábito monástico facilita ao homem de boa vontade tornar-se bom monge. E o mesmo se pode dizer da farda.
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Como ilustrar, dentro dos estilos desta secção, o efeito da indumentária sobre o estado de espírito de um homem?
Para não melindrar ninguém, abstemo-nos de exemplos muito recentes. E tomamos como material de estudo uma figura histórica que já começa a imergir na névoa de um passado remoto. Trata-se de Guilherme II, Rei da Prússia e Imperador alemão: o Kaiser, na linguagem caseira dos poucos brasileiros que ainda se ocupam dele.
Seria impossível contestar que Guilherme II foi militar até a medula da alma. Não foi grande general, nem era esta a sua função. Mas a sua mentalidade, o seu estilo de vida, o seu estilo de governo provam que como homem, como chefe de família, como soberano, o Kaiser foi sempre e antes de tudo um militar.
Ei-lo num campo de parada, a transmitir o bastão de comando a uma alta patente. Esplendidamente fardado, montando com uma naturalidade cheia de garbo o seu corcel, o Imperador sente-se visivelmente no seu elemento, numa situação em que se desdobra com segurança, com amplitude, com brilho e com toda a sua personalidade. O rosto, o porte, o gesto, manifestam a paixão militar que, quanto mais se externa tanto mais se afirma.
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Pelo contrário, em traje civil dir-se-ia que nem é o mesmo homem. A sua personalidade parece desbotada e a sua atitude forçada. As suas qualidades militares transparecem na medida do suficiente para contrastar com a indumentária. Se o Kaiser e todas as suas tropas tivessem de usar tal traje civil, o exército alemão teria sido o que foi?
Evidentemente que não. Porque, se a farda não faz o bom soldado, ajuda muito o militar a adoptar o espírito da sua classe…
E porque não valeria para o clero, mutatis mutandis, o mesmo princípio?
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