quinta-feira, 26 de janeiro de 2017


A «revolução de género» da National Geographic:

Péssimo argumento e ideologia preconceituosa


Aceitar as reivindicações da ideologia transgénero requer fechar os olhos
à nossa consciência e escarnecer da «lei escrita no coração»
que os nossos corpos testemunham.

Andrew Walker & Denny Burk, Midiasemmascara,12/01/2017

A edição de Janeiro de 2017 da National Geographic dedica-se a explorar o que chama de «Revolução de Género» – um movimento pós-Revolução Sexual que procura desconstruir entendimentos tradicionais sobre o corpo humano, o dimorfismo sexual masculino-feminino e o género. Num artigo intitulado «Rethinking Gender», Robin Marantz Henig cita as normas de género em evolução como uma justificativa para a Revolução de Género. Mas o argumento de Henig não é apenas inaceitável, é baseado também numa proposta radical sobre a natureza humana que está em desacordo com a lei natural e a antropologia bíblica.

O objectivo deste ensaio não é abordar todas as facetas do género que Henig explora. Em vez disso, o nosso objectivo é resolver alguns dos erros mais flagrantes no artigo. Muitas das críticas abaixo aplicam-se não apenas ao artigo de Henig, mas também aos problemas filosóficos mais amplos inerentes ao movimento transgénero.

Identidade de Género, Confusão de Categorias
e Inconsistência Moral

Primeiro (e mais problemático): Henig não oferece nenhum argumento substantivo para explicar porque a auto-percepção interna da sua «identidade de género» deve determinar o seu sexo ou ter autoridade maior do que o seu sexo biológico. O ensaio oferece testemunhos de pessoas que dizem que a sua identidade de género está em desacordo com o seu sexo biológico. Mas o testemunho não é suficiente. A afirmação de uma reivindicação não demonstra a autenticidade dessa reivindicação. Os leitores não recebem nenhuma explicação de porque devemos considerar as reivindicações de uma identidade de género como realidade, em vez de ser apenas um sentimento subjectivo ou auto-percepção.

Na verdade, este é o cerne da questão que assola o movimento transgénero. Baseia-se não na evidência, mas na ideologia do individualismo expressivo – a ideia de que a identidade é autodeterminada, que se deve viver essa identidade e que todos devem respeitar e afirmar esta identidade, não importa o que ela seja. O individualismo expressivo não requer nenhum argumento moral ou justificação empírica para as suas reivindicações, não importa quão absurdas ou controvertidas possam ser. O transgenerismo não é uma descoberta científica, mas um compromisso ideológico prévio sobre a flexibilidade do género.

Em segundo lugar, Henig comete uma falácia ao ligar as condições intersexuais ao transgénero. Estas são categorias muito diferentes. «Intersexo» é um termo que descreve uma série de condições que afectam o desenvolvimento do sistema reprodutor humano. Estes «distúrbios do desenvolvimento sexual» resultam em anatomia reprodutiva atípica. Algumas pessoas intersexuais nascem com «genitália ambígua», que tornam a determinação do sexo ao nascer muito difícil.

É precisamente neste ponto que a intersexualidade é muito diferente do transgenerismo. Aqueles que se identificam como transgéneros não estão a lidar com ambiguidade sobre o seu sexo biológico.Transgenerismo refere-se à variedade de formas que algumas pessoas sentem que a sua identidade de género está fora da sincronia com o seu sexo biológico. Assim, identidades transgénero são construídas sobre a suposição de que o sexo biológico é conhecido e claro, o que não é o caso da intersexualidade.

Intersexualidade e transgenerismo são maçãs e laranjas, mas não saberia isso lendo o artigo de Henig. Aqueles que estão a forçar a revolução de género têm um interesse em confundir as categorias. Acreditam que pode ser demonstrado que o sexo biológico é um espectro, em vez de um binário, então podem minar o essencialismo de género. Mas as condições intersexuais não refutam o binário sexual. São desvios da norma binária, não o estabelecimento de uma nova norma. Assim, a experiência fisiológica da intersexualidade está numa categoria diferente das construções psicológicas da disforia de género e do transgenerismo. Henig relaciona essas categorias de forma problemática, de modo a colocar a identidade de género e a anomalia médica numa única categoria.

Nessa mesma linha, Henig cita um estudo que relaciona a não-conformidade de género com o autismo. Qualquer conclusão que este estudo pretenda estabelecer, não valida uma suposta identidade transgénero. No máximo, poderia estabelecer uma correlação entre não-conformidades de género e autismo, mas não uma causalidade, nem uma corroboração da ideologia transgénero. Novamente, aceitar que a identidade de género de alguém está em desacordo com o seu sexo biológico não é nada mais do que ideologia sem qualquer verificação ou dados empíricos para apoiar tal afirmação. É metafisicamente impossível verificar a afirmação de que a identidade de género declarada confirma uma compreensão mais precisa do género do que o sexo biológico.

A última página do artigo de Henig comemora a mutilação de crianças menores com uma foto de uma menina de 17 anos sem camisa, que sofreu recentemente uma mastectomia dupla para «transição» para se tornar um menino. Porque os ideólogos transgéneros consideram prejudicial a tentativa de mudar a mente dessa criança, mas consideram que ela está progredindo ao exibir o seu peito nu e mutilado para uma história de capa? Os ideólogos transgéneros como Henig nunca abordam esta contradição ética no coração do seu paradigma. Porque é aceitável alterar cirurgicamente um corpo para torná-lo de acordo com a sua ideia do próprio self, mas intolerância tentar mudar o seu sentido de self para se adequar ao seu corpo? Se é errado tentar mudar a identidade de género (porque é fixa e não se pode mexer porque é danoso), porque seria moralmente aceitável alterar algo tão fixo como a anatomia do aparelho reprodutor de uma criança? Aqui a inconsistência moral do argumento é flagrante.

Ciência fraca e alegações contraditórias

Terceiro, o artigo refere-se obliquamente à «Teoria Cerebral do Sexo» para apoiar a conclusão mais ampla de que as identidades de género expansivas são imutáveis, objectivas e uma expressão autêntica do verdadeiro sexo de uma pessoa. Henig reconhece, com razão, as deficiências da Teoria Cerebral do Sexo, mas, no final, não oferece qualquer sugestão sobre a legitimidade das reivindicações transgénero à luz da inconclusividade dos estudos científicos sobre esta questão.

É por isso que o seu argumento é, em última análise, pouco convincente e problemático: não há consenso científico sobre o que causa o transgenerismo. As teorias cerebrais do sexo são hipóteses, mas Henig escreve como se a revolução que nós estamos a encontrar agora seja boa e mereça ser considerada inquestionável. Se Henig admitisse a falta de certeza em torno do transgenerismo, poria em dúvida a certeza sobre a qual o artigo (e toda a questão) se baseia. Henig não aborda os seus próprios pressupostos, mas admite que as categorias descritas no artigo se baseiam em teorias, não em factos.

Em quarto lugar, além do artigo de Henig, a cobertura da National Geographic é atormentada por reivindicações contraditórias e incoerentes. «A identidade de género e a orientação sexual não podem ser alteradas, mas a forma como as pessoas identificam a sua identidade de género e orientação sexual pode mudar ao longo do tempo, na medida em que descobrem mais sobre si próprios». A primeira metade desta frase afirma a imutabilidade da identidade de género, mas a segunda metade afirma que a autoconsciência das pessoas sobre essas coisas pode mudar ao longo do tempo.

Não há uma contradição aqui quando definimos os nossos termos? A identidade de género não é uma categoria objectiva, mas sim subjectiva. É como se percebe o seu próprio senso de masculinidade ou feminilidade (Yarhouse, pp. 16-17). Se essa percepção é fixa e imutável (como afirma a primeira metade da frase), então é incoerente dizer que a autopercepção possa mudar ao longo do tempo (como afirma a segunda metade da frase). A autopercepção pode mudar ou não mudar. Não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esta é uma contradição desconcertante contida dentro de uma única frase, mas parece que o autor não percebe.

Além disso, a afirmação de que as identidades transgénero são igualmente fixas e imutáveis como a orientação sexual, simplesmente não é apoiada por qualquer tipo de consenso científico. De acordo com um importante relatório publicado por Lawrence Mayer e Paul McHugh em The New Atlantis, «Há também pouca evidência de que as questões de identidade de género têm uma alta taxa de persistência em crianças». De facto, cerca de 80% das crianças que vivenciam sentimentos transgéneros conseguem resolver as suas dificuldades sem qualquer intervenção, após a puberdade. Dizer que as identidades transgénero são fixas e imutáveis é simplesmente impreciso.

O que a Justiça Realmente Exige?

Em quinto lugar, toda a questão enquadra a «Revolução do Género» como a próxima fronteira da justiça social. Isso parece extraordinariamente míope dado o ritmo acelerado em que a revolução de género veio para a América. Mas vamos reformular os elementos da discussão que são omitidos do artigo de Henig e da questão geral:

– Porque é que a sociedade deve aceitar uma teoria do género que tem tão pouca adjudicação histórica?

– Porque não se faz perguntas sobre se certos meios são a causa de tais experiências recém-descobertas na história humana?

– Porque não se explora os elementos politizados do transgenerismo que são apoiados por um movimento agressivo LGBT?

– Porque se omite a história da contestação por trás deste movimento – que a compreensão da confusão de género como uma patologia a ser aliviada, ao invés de uma norma a ser abraçada, comum até o passado recente, agora é estigmatizada, se não até apagada da história?

– Porque é a pressa para aceitar a alegação de que alguém é um membro do sexo oposto ao biológico ou não possui nenhum género?

– Porque é que a justiça exige a aceitação de uma medicina que mutila partes funcionantes do corpo em nome da identidade de género?

Henig não reconhece quaisquer vozes dissidentes que questionam a validade das identidades transgénero. O seu artigo – e a revista como um todo – dá por certa a ideia de que a compaixão e a justiça são mediadas apenas através da aceitação das controvertidas teorias nele contidas. Nós rejeitamos isso.

Finalmente, o artigo não aborda as conclusões que se seguem das suas premissas.

Numa legenda, lemos:

Henry foi designado homem no nascimento, mas considera-se «criativo de género». Expressa-se através do seu senso de moda de vestir singular. Os seus pais inscreveram-o no Bay Area Rainbow Day Camp, onde pode encontrar o vocabulário para explicar os seus sentimentos. Aos seis anos de idade, já está muito seguro de quem é.

O título deste artigo é de um radicalismo desenfreado. Nenhum garoto de seis anos tem a certeza do que ele é. A afirmação radical não-julgadora não é uma abordagem saudável para os pais ou uma estratégia de governo viável para a sociedade. Os pais realmente devem suspender toda a forma de julgamento e curvar-se aos caprichos  passageiros dos seus filhos? Esta sujeição estenderia-se a todos os assuntos?

Num ponto, Henig descreve um indivíduo que está a procurar por uma identidade na qual «se sinta bem». Isto é assustadoramente subjectivo e sujeito a auto-reinterpretações sem fim. O que «parece certo» para uma pessoa não indica o caminho para o que é certo. É também um exemplo de porque a revolução de género consiste em «cisternas quebradas que não podem conter água» (Jeremias 2:13). Como ilustra um vídeo muito difundido, tomar a linguagem de «identidade» e «identificar» ao lado de «género» leva a afirmações frívolas e ridículas que na nossa consciência sabemos serem falsas. E, na verdade, isso é o que é mais problemático sobre este artigo: aceitar as alegações contidas nele exige um fechar os olhos para a nossa consciência. Requer fazer zombar da «lei escrita no coração» que os nossos corpos dão testemunho no nosso projecto de design natural. Como este artigo demonstra, não há limites para a revolução sexual e de género, apenas o rastro da carnificina humana que resulta da supressão da verdade.

Henig faz uma admissão surpreendente perto do final de seu ensaio: «A Biologia tem o hábito de se declarar no final». Sobre isso, Henig está certo. A humanidade não pode escapar dos limites inscritos na biologia. É impossível transgredir fronteiras biológicas carimbadas na natureza humana sem as categorias básicas da existência humana se desmantelarem. Se a história de National Geographic diz alguma coisa, ela fala de uma sociedade indo por um caminho de experimentação voluntária que levará à miséria e à negação do telo humano. Na verdade, esse movimento nascido de academias efémeras e mitologias esquerdistas não é mais do que uma barbárie revestida de verdade.


Denny Burk é professor de Estudos Bíblicos na Boyce College e no The Southern Baptist Theological Seminary. Também é presidente do Conselho para a masculinidade bíblica e feminilidade.

Andrew T. Walker é o director de Estudos Políticos da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa e estudante de doutorado em Ética Cristã na The Southern Baptist Theological Seminary.

Nota do tradutor, Heitor De Paola:

Embora não seja usual por não corresponderem a palavras dicionarizadas em Português, preferi usar revolução/ideologia transgénero para substituir transgender revolution/ideology. Em alguns casos ficou melhor transgeneralidade ou transgeneralismo.





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