Pedro Afonso, médico psiquiatra, Observador, 30
de Junho de 2016
O suicídio é um problema de saúde pública, e o tema
não deve ser abordado de forma sensacionalista. Cada caso encerra um mistério,
uma história de vida muitas vezes dramática, e com grande sofrimento.
Recentemente fomos confrontados com notícias
trágicas de duas mulheres que, em locais diferentes e com pouco tempo de
intervalo, fizeram tentativas de suicídio, juntamente com os seus filhos
menores (suicídio-homicídio). Estes casos tiveram uma enorme cobertura pela
comunicação social, tendo gerado uma grande consternação e indignação na
população. Apesar de aparentemente estas situações terem na sua origem
patologia psiquiátrica, importa reflectir sobre as consequências e os perigos
de se divulgar os suicídios, de forma sensacionalista, na comunicação social.
Há muito tempo que se sabe que o suicídio não deve
ser publicitado, de forma sensacionalista, pelos perigos que advêm do efeito
mimético que a sua divulgação pode provocar em pessoas fragilizadas pela
depressão. Desde o século XVIII que se conhece o fenómeno do «suicídio
imitativo», designado por «efeito Werther». Após a publicação do livro Os
sofrimentos do jovem Werther (1774) de Goethe, o qual acaba com o
suicídio do seu protagonista, muitos jovens leitores por toda a Europa,
influenciados pela obra, acabaram por se suicidar em larga escala num fenómeno
de imitação. Embora haja alguma controvérsia sobre este caso, designadamente
pela dificuldade de se obter dados fiáveis retrospectivamente, a verdade é que
há o risco de os suicídios que recebem atenção pública poderem desenrolar
suicídios de imitação entre os potenciais suicidas observadores. Os perigos
residem no facto de, nestas pessoas, poder aumentar as expectativas de que o
seu suicídio irá também produzir uma mediatização póstuma, um sentimento de
pena por parte da comunidade, aumentando deste modo o seu estatuto social.
Os meios de comunicação social podem desempenhar um
papel protector relativamente ao suicídio, ou se forem mal utilizados podem ter
mesmo um indesejável efeito promotor do suicídio. A própria Organização Mundial
de Saúde (OMS) alerta para a necessidade de haver políticas de regulamentação
de reportagens de suicídios pela comunicação social. Neste caso, nas
reportagens não se deve dar pormenores sobre o método utilizado, evitando-se a
todo o custo abordar o tema numa perspectiva sensacionalista, de modo a não
afectar outros doentes que estão em situação de grande fragilidade ou mesmo
ambivalência relativamente ao suicídio. É muito importante que os meios de
comunicação social tenham um sentido ético na abordagem deste tema delicado,
apontando sempre para uma solução, mostrando, por exemplo, os recursos clínicos
existentes no serviço nacional de saúde para o tratamento destes casos.
O suicídio é um dos comportamentos mais intrigantes
do ser humano, uma vez que contraria o instinto primário de sobrevivência e do
amor à vida. Estima-se que cerca de 90% dos suicídios estejam associados a
doença psiquiátrica, sendo a depressão a principal patologia relacionada. É
compreensível que a sociedade procure respostas para o comportamento bizarro e
escandaloso de uma mãe que, no acto suicida, procure também pôr termo à vida do
seu filho. Muitas vezes estes casos correspondem a situações de depressões
graves acompanhadas de sintomas psicóticos. As pessoas atingidas por esta
doença acreditam que a sua vida deixou de ter sentido, o sofrimento de
continuar a viver é insuportável e interminável, e a morte, neste contexto, é
vista como uma solução final, colocando termo a uma vida sem sentido. Nestas situações,
podem existir alucinações auditivo-verbais, ideias delirantes de ruína ou mesmo
niilistas, sendo que o juízo crítico da pessoa, e a sua liberdade, ficam
gravemente afectadas pela doença mental. Neste contexto delirante, a mãe pode
acreditar (erradamente) que o acto de matar os seus filhos é um gesto de
piedade (homicídio oblativo), e uma demonstração de amor, justificada pelo
desejo de pôr fim ao sofrimento do seu filho. É muito importante que este
aspecto clínico seja esclarecido, já que pode ajudar a diferenciar a
imputabilidade ou inimputabilidade do acto homicida.
Infelizmente, por vezes, estas situações
psiquiátricas passam despercebidas no contexto familiar, e não chegam a receber
tratamento psiquiátrico. De qualquer modo, cerca de dois terços dos suicidas
procura um médico no mês antes anterior à sua morte, fazendo com que o acto de
avaliar o risco de suicídio seja uma das tarefas clínicas mais exigentes da
psiquiatria. Na esmagadora maioria destes casos, as melhoras são alcançáveis
quer através dos tratamentos farmacológicos disponíveis, quer ainda através da
electroconvulsivoterapia, que, de resto, é muito eficaz nos quadros clínicos de
depressão psicótica.
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