Helena Matos, Observador, 9 de Junho
de 2016
Alexandra Leitão, a secretária de Estado Adjunta e da
Educação, declarou que as suas filhas «por acaso não estudam» numa escola
pública. Mas qual acaso? Não vejo nisso acaso algum mas sim uma escolha.Alexandra
Leitão, a secretária de Estado Adjunta e da Educação foi entrevistada
pela Visão. A dado momento da entrevista afirma o jornalista a
propósito das filhas de Alexandra Leitão: «Não lhe vou perguntar se elas estudam numa escola pública…»
Há anos que entre nós vigora este paradoxo jornalístico:
sendo o jornalista por definição alguém que faz perguntas, em Portugal não se
pergunta em que escolas estão inscritos os filhos de quem nos governa,
sobretudo se esse alguém defender as causas queridas da comunicação social e
disser aquelas coisas redondas sobre as maravilhas da escola pública. Contudo é
aí que está o busílis da questão, como bem se percebe pela resposta da senhora
secretária de Estado que, perante o interdito do jornalista, avança
prontamente: «Mas eu respondo: por acaso não estudam (risos). As minhas
filhas fizeram o jardim-de-infância e a primária numa escola pública. E agora
estão na Escola Alemã.»
De que rirá a senhora secretária de Estado? Certamente da
papalvice do país que não estranha aquele «por acaso». Mas qual acaso? Estarão
as filhas da senhora secretária de Estado numa escola que sorteia vagas nos
pacotes de cereais? Iam as filhas da senhora secretária de Estado pela Segunda
Circular e aquele boneco que está plantado no telhado da Escola Alemã
perguntou-lhes «Passaram aqui por acaso? Então saiam na primeira à direita
porque ganharam o direito a frequentar esta escola!»Vai desculpar-me a senhora
secretária de Estado mas não vejo aqui acaso algum. Vejo sim uma escolha, muito
louvável até, de uma das mais reputadas escolas de Portugal. Mas detalhemos então
o «acaso» que levou as filhas da senhora secretária de Estado Adjunta e da
Educação a uma escola muito diferente daquela que o Ministério de que ela é
secretária de Estado promove: «A opção pela Escola Alemã tem a ver com a opção por um
currículo internacional. Para mim era importante que elas tivessem uma educação
com duas línguas que funcionem quase como maternas, digamos assim. Se assim não
fosse, andariam obviamente numa escola pública.»
Francamente, senhora secretária de Estado, há inúmeras
escolas neste país em que se falam duas ou mais línguas. Por exemplo, em
algumas escolas da Amadora fala-se português e crioulo. Eu percebo que a
senhora secretária de Estado prefira o alemão ao crioulo como segunda língua
para as suas filhas. Mas isto, sou eu a falar. Eu, cujos filhos frequentaram
escolas públicas e privadas nada por acaso mas simplesmente porque em cada
momento se procurou escolher o que seria melhor para eles. Por exemplo, se eu
escolhesse a Escola Alemã para os meus filhos nunca o faria para que eles
dominassem o alemão – a facilidade com que as crianças e os jovens aprendem
línguas dispensava-me desse esforço financeiro – mas sim por causa do rigor,
dos métodos de trabalho e da disciplina que ali são incutidos. Mas claro isto
sou eu de novo a falar e eu como se sabe faço parte daquelas pessoas que acham
que todos temos de ter o direito a escolher a escola dos nossos filhos sem
termos de inventar moradas para que eles vão para uma boa escola pública ou
argumentos politicamente correctos que justifiquem a opção por uma boa escola
privada.
Este sistema escolar que a senhora secretária de Estado
defende – com os filhos dos outros nas escolas públicas e os nossos numa escola
privada por causa de uma circunstância que não suscita polémica como os
horários ou a segunda língua – tornou-se em Portugal um mecanismo que não só
reproduz como acentua as fragilidades e as vantagens comparativas do meio de
origem dos alunos. E foi nesta engrenagem que, qual grão de areia, entraram os
contratos de associação.
O que está em causa, o que irrita nos contratos de
associação é que milhares de famílias viram naqueles contratos algo em que
muitos já desistiram de acreditar na rede pública: a escola enquanto factor de
inclusão e ascensão social. Por outras palavras, eles não podem colocar os
filhos na Escola Alemã mas também não os querem nas madrassas do senhor
Nogueira. Querem apenas, dentro de um reduzido lote de escolas, escolher aquela
em que os seus filhos vão fazer a escolaridade obrigatória. Mas o que a senhora
secretária de Estado diz é que, além da escolaridade obrigatória, os filhos dos
outros, para mais devidamente arrumadinhos socio-geograficamente pelos
critérios de matrícula nas escolas públicas (para quando a discussão sobre
esses critérios?), têm ainda o dever de frequentar obrigatoriamente as escolas
da rede pública. Pois, senhora secretária de Estado, aquelas escolas onde
passar de uma má para uma boa é o que de mais difícil existe em Portugal para
aquelas famílias que não têm contactos, nem são filhos de alguém…
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