domingo, 12 de julho de 2015


Da democracia na Grécia

Alberto Gonçalves, 12 de Julho de 2015

No referendo do passado domingo, os gregos mostraram que não cedem aos credores, que desafiam a ditadura do grande capital, que resistem às técnicas do medo e da chantagem, que não se vergam à prepotência alemã, que representam o último bastião da democracia na Europa e que são um povo orgulhoso, inspirador, digno e corajoso. Na segunda-feira, correram a suplicar mais uns milhares de milhões, nem que para isso tenham de aceitar, ou fingir aceitar, condições piores do que as sufragadas no referendo.

Podemos criticar os gregos? Por acaso até devemos, mas não é essa a questão. A questão é que mesmo os bons sentimentos valem pouco na hora de cobrir despesas correntes e importar bens essenciais. Uma coisa é a dignidade grega merecer o apoio moral de vultos do anti-imperialismo como Fidel Castro, Vladimir Putin, o Sr. Maduro de Caracas e o Prof. Freitas da Póvoa de Varzim. Outra é usar esse apoio para comprar sabonetes ou financiar reformas antecipadas. Há dias, uma escritora chamada Hélia Correia recebeu o Prémio Camões e dedicou-o à Grécia, «sem a qual», cito com curiosidade, «não teríamos nada». Infelizmente, a Grécia também tem pouco e, com amigos destes, arrisca-se a ficar com menos: que percentagem dos cem mil euros do dito prémio a dona Hélia doou aos necessitados do Pireu? Que se saiba, exactamente a percentagem em que estamos a pensar.

Não chega. Enquanto os gregos adoptivos daqui querem ser solidários sem avançar um cêntimo do bolso deles, os gregos registados de lá preferem a solidariedade em forma de cheque. Todos os gregos? Julgo que não. Com as melhores intenções, o Expresso entrevistou uma cidadã local que desafia: «Por cada história de um grego que foge aos impostos eu conto uma de um que trabalha muito.» Ou seja, por cada história de um grego que trabalha muito há uma de um que foge aos impostos. E decerto vota no Syriza. Se atendermos à abstenção no referendo, é razoável estimar os parasitas, perdão, os patriotas em cerca de metade da população, que desfila valentia antes de rebentar contra a parede. A metade restante, que inexplicavelmente vê nos senhores do governo uma quadrilha perigosa, desgraça-se por arrastamento.

Entretanto, até se desgraçar de vez, é chamada a justificar a falta de fé. Diversos jornalistas que não exaltam suficientemente o estimável Sr. Tsipras encontram-se sob investigação do Ministério Público, do regulador estatal da imprensa e do sindicato do ramo. O crime? Defenderem o «sim» no referendo. É assim que começa, e o calibre dos simpatizantes internacionais do orgulho grego nunca deixou dúvidas sobre a essência daquilo. Esqueçam a «austeridade», a «tragédia humanitária», o euro e a Europa. O Syriza não se move pelo seu país, nem sequer pelo dinheiro indispensável ao patrocínio da anedota em que o país se tornou: o que corre no revolucionário sangue do Syriza é naturalmente um projecto de ditadura, aliás o regime em que o berço da democracia tem vivido quase sempre. De facto, metade dos gregos é digna. De pena.





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