Robert Royal
Tem surgido alguma ambiguidade, tanto no Vaticano como na Casa Branca, sobre o que se deve fazer acerca da barbaridade que está a ocorrer no Médio Oriente e que tem chocado todo o mundo. Nem se sabe bem o que se lhe deve chamar.
Começou com um artigo escrito pelo Pe. Luciano Larivera, S.J., no La
Civiltà Cattolica (uma
revista jesuíta publicada em Roma e que é considerada uma referência, se bem
que indirecta, do pensamento do Papa): «Obviamente, para promover a paz é
necessário saber o que a guerra é na realidade, e não aquilo que gostaríamos
que fosse. É fundamental estudar e perceber como é que o Estado Islâmico luta.
A sua é uma guerra de religião e aniquilação».
Isto é simples realismo cristão e a mais pura verdade
sobre o actual conflito, que os nossos líderes americanos parecem recusar-se a
aceitar. Mas depois de muitas distorções nos media, o padre Antonio Spadaro,
SJ, o editor chefe do Civiltà, explicou: «O Estado Islâmico pensa que é uma
‘guerra de religião’, mas nós devemos ter o cuidado de não pensar dessa forma».
Tudo bem. Há muito que o cristianismo abandonou a ideia
de que é legítimo o uso da força para promover a fé – como Bento XVI sublinhou
no seu discurso profético em Ratisbona. Mas não deixamos de ter a
responsabilidade de dizer a verdade sobre o que se está a passar bem como
encarar a questão de como responder a uma força agressiva que mata os
inocentes, escraviza sexualmente as mulheres, decapita ocidentais em público e
declara ter como objectivo a imposição, pela força das armas, da sua religião
aos não-crentes.
Entramos aqui num terreno sempre polémico: onde é que
deixamos os princípios morais absolutos – que são a primeira competência da
Igreja – e entramos na aplicação prudente desses princípios, em contextos
complicados. Excepto em casos de agressão injusta, o juízo sobre o uso legítimo
da força cabe aos líderes seculares e não aos papas nem aos bispos.
O mundo secular raramente compreende a distinção. No voo
de regresso da Coreia, em meados de Agosto, o Papa disse: «É lícito travar um
agressor injusto. Sublinho o verbo: travar. Não digo bombardear nem fazer
guerra, digo impedir de alguma maneira».
Os media seculares, e mesmo alguns órgãos católicos,
reagiram mal: Se não é para bombardear, então qual é a estratégia do Papa? Como
se o Sumo Pontífice tivesse de ter uma estratégia militar, qual presidente dos
EUA. A minha aposta é de que o Papa estava a afirmar a necessidade de agir –
naturalmente através do uso da força –, mas deixando claro que, apesar do
horror da violência do Estado Islâmico, não cabe ao Papa defender os
bombardeamentos americanos nem as decisões práticas de qualquer outra nação.
Mas na semana passada disse à Comunidade de Sant’Egidio:
«A guerra nunca é uma forma satisfatória de corrigir injustiças... A guerra
conduz as pessoas a uma espiral de violência que se torna difícil de controlar.
Destrói aquilo que levou gerações a estabelecer e abre caminho a conflitos e
injustiças ainda piores».
«Diálogo» ao estilo do Estado Islâmico |
Calculo que na emoção do momento, como
tende a fazer, Francisco foi um bocadinho mais longe do que queria. O
pensamento moral católico há muito que aceitou que as autoridades católicas têm
por vezes a responsabilidade de recorrer à força. E temos exemplos de guerras
boas, como a derrota dos nazis pelos aliados. Como explica o Catecismo da
Igreja Católica:
[2307] Cada cidadão e cada governante deve trabalhar no
sentido de evitar as guerras.
Apesar desta admoestação da Igreja, por vezes torna-se
necessário usar a força para obter os fins da justiça. Este é um direito, e o
dever, de todos os que têm responsabilidade pelos outros, tal como líderes
civis e forças policiais. Enquanto os indivíduos têm o direito de renunciar a
toda a violência, aqueles que preservam a justiça não o podem fazer, embora
deva ser sempre um último recurso, «falhados todos os esforços de paz».
É claro que existem os limites das
condições sobre a decisão de ir para a guerra (ius in bellum) e o comportamento durante o combate (ius in bello). O juízo prudente dos líderes civis nestas matérias é,
justamente, alvo de escrutínio cuidadoso. Em retrospectiva, muitos dos que
acreditavam que Saddam Hussein possuía armas de destruição maciça vieram mais
tarde a concluir que a decisão do presidente Bush de atacar o Iraque foi um
erro. Da mesma forma, muitos consideram agora que a decisão de Obama de retirar
as tropas do Iraque foi um erro e que, por isso, ele depara-se agora com
limites à sua acção contra o Estado Islâmico que podem bem tornar a sua
estratégia inútil. Este é um problema grave, uma vez que um dos critérios para
a guerra justa é a existência de uma possibilidade razoável de sucesso, que é
como quem diz, a existência de um benefício proporcional na decisão de matar
pessoas e partir coisas.
É claro que o Papa sente a tragédia de todas as guerras e
o pecado que está por detrás delas: «ganância, intolerância, sede de poder...
Estes motivos estão por detrás da decisão para ir para a guerra e, demasiadas
vezes são suportadas por uma ideologia; mas em primeiro lugar há uma paixão ou
um impulso distorcidos. A ideologia é apresentada como justificação quando não
existe qualquer ideologia, mas apenas a resposta de Caim: ‘Que me interessa
isso? Serei eu o guarda do meu irmão?’»
Noutras alturas, porém, ele e a Igreja reconhecem que o
«uso justo da força» – caso queiram evitar a palavra «guerra», como parece ser
a vontade da Casa Branca – serve precisamente para podermos ser os «guardas do
nosso irmão». Talvez seja necessário recordar o Vaticano disso. Irmãos
cristãos, yazidis, curdos e muçulmanos de várias confissões, foram expulsos das
suas casas, mortos ou marcados para genocídio. Não é possível negociar com os
agressores. Não há diálogo ao alcance dos homens que seja capaz de fazer a
menor diferença na mortandade.
Podemos preferir que não fosse assim. Podemos lamentar a
herança da história e da violência do passado. Podemos reconhecer os nossos
próprios pecados e pedir a Deus uma solução que não somos capazes de encontrar
sozinhos. Mas entretanto temos apenas os meios ao nosso alcance e não podemos
demitir-nos da responsabilidade de proteger aqueles que sofrem agressões.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing.
Tradução de Filipe d'Avillez)
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