Pedro Afonso
O Estado deve criar um sistema fiscal
verdadeiramente «amigo da família».
É conhecido por todos que Portugal tem um grave
problema de natalidade. Com cerca de 1,2 filhos por casal, o nosso país
apresenta uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, colocando problemas
de sustentabilidade a vários níveis na sociedade. O PSD, que já deveria ter
consciência desta realidade há mais tempo, decidiu finalmente nomear uma
comissão para estudar o assunto e que propôs recentemente um conjunto de
medidas legislativas de modo a incentivar o aumento da natalidade.
Já se adivinhavam quais seriam algumas dessas
medidas propostas: maior justiça fiscal face ao número de filhos, alargar o
acesso a creches e aumentar as actividades de tempos livres (ATL),
flexibilizar os horários laborais para os pais, etc. Apesar do sinal
positivo de algumas destas propostas, a pergunta que se coloca é a seguinte:
Será que é possível aumentar a natalidade por decreto-lei?
Como psiquiatra, profissionalmente contacto
diariamente com dezenas de pessoas de diversas idades e em fases diferentes do
ciclo da vida. Quando pergunto a um jovem que tem uma relação amorosa estável
se está a pensar casar, a resposta que ouço como mais frequência é: «para quê?»
Depois, se questiono se existem planos para terem filhos, muitas vezes o rosto
desse jovem transfigura-se, adoptando uma expressão
de perplexidade e de indignação, face ao despropósito daquela pergunta. A
resposta habitual é um «não» peremptório.
Se for feito um inquérito aos casais jovens sobre
quais os motivos que os levam a ter poucos filhos, a principal razão evocada
será invariavelmente a falta de dinheiro. Mas como é que se explica que há
vários anos (já com abundantes opções contraceptivas disponíveis), o
rendimento per capita dos portugueses era mais baixo e ainda assim os
casais tinham mais filhos? O problema da baixa natalidade não é totalmente
explicado pela falta de condições económicas, mas acima de tudo pela mudança
das prioridades nas opções de vida das pessoas; ou seja, por uma profunda
mudança de atitudes e valores.
Há algumas semanas, a revista Sábado fez capa com o
título: Há cada vez mais casais «felizes» que têm mais dinheiro e tempo para
tudo... Não têm crianças por opção e são cada vez mais em Portugal». O
título era reforçado pela imagem de dois jovens fisicamente atraentes,
deitados na relva e com sorrisos abertos. Este é um excelente resumo do
modelo de sociedade que foi sendo criado nos últimos anos entre nós; este é um
modelo actual de felicidade no qual os filhos não fazem parte.
Vivemos numa sociedade de consumo, materialista,
individualista, que não compreende a renúncia e que tem alguma aversão ao
compromisso, pois considera-o incompatível com a liberdade. Sabemos que ter
filhos é, na verdade, um compromisso que obriga a muitas renúncias e
sacrifícios que se vão tornando cada vez mais difíceis
na actual sociedade de hiperconsumo. Perante estas prioridades,
facilmente se compreende que seja difícil, senão mesmo impossível,
conciliá-las com o nascimento de filhos.
Do meu ponto de vista, o problema da natalidade não
se resolve por decreto-lei. Trata-se antes de um problema social com raízes
mais profundas, relacionadas com uma sociedade emersa na cultura do efémero,
hedonista e desvinculada da família como instituição social que garante a
coesão social e a renovação da sociedade. Seja como for, o Estado deve ter dois
papéis importantes: ser um «facilitador», e não um obstáculo para todos aqueles
que querem ter filhos, e ser um defensor da justiça fiscal, criando um sistema
fiscal verdadeiramente «amigo da família».
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