sexta-feira, 21 de março de 2014

Cemitério das alternativas

Alexandre Homem Cristo

O objecto do manifesto é promover a fantasia de que a esquerda (com os ressentidos da direita) formulou uma alternativa política à austeridade

Que Portugal tem elites viciadas em despesa pública, já sabíamos. Agora descobrimos que também tem elites viciadas em manifestos. É compreensível porquê. Os manifestos são uma forma de fazer política com grandes atractividades – dão pouco trabalho a redigir, aparecem discutidos em todos os jornais, promovem a inclusão numa espécie de bando com uma causa e, mais importante que tudo, são inconsequentes. O vício não é de hoje. Manifestos, já os houve para todos os gostos. Uns por mais investimento público (leia-se mais endividamento), outros contra. Uns pelo crescimento económico, outros contra a austeridade alemã. E todos, apesar do maior ou menor impacto mediático, com o mesmo destino: o esquecimento.
O mais recente é o denominado «manifesto dos 70», em defesa da reestruturação da dívida pública. Escreve-se nos jornais que este manifesto é diferente. Que não é como os outros. Ou seja, que este é mesmo a sério. Mas será que é? Nem por isso.

Há que ir directo ao assunto: a reestruturação de parte da dívida faz algum sentido, tanto para mais que, nestes últimos dois anos, o próprio governo já conseguiu negociar uma reestruturação (aumentou a maturidade dos empréstimos, prolongou empréstimos em 7 anos e reduziu a taxa de juro). Mas, também por isso, a reestruturação da dívida não é, só por si, um projecto políticoNão implica uma mudança de rumo. E não é uma alternativa à austeridade. Sugeri-lo, tal como acontece no manifesto, não é sério.
Os subscritores sabem-no. Se o governo pedisse agora uma reestruturação da dívida, os juros subiriam em flecha, forçando um novo resgate e mais austeridade. E mesmo que as entidades internacionais aceitassem essa reestruturação, teríamos de lhes dar algo em troca: mais medidas de austeridade. E, por isso, em termos políticos, o objecto do manifesto limita-se a promover a fantasia de que a esquerda (com os ressentidos da direita) formulou uma alternativa política à austeridade. É essa a ilusão que surge claramente no texto. Primeiro, afirmando que «sem reestruturação da dívida, o Estado continuará enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade». Segundo, insistindo que «há alternativa».
Só que a esquerda está enganada: o que propõe não é alternativa. E não é a primeira vez que muitos destes subscritores nos prometem alternativas que não o são. Já houve manifestos, congressos e encontros. Tentou-se de tudo.

Era a aposta no investimento público, como ainda fez Sócrates (aumentando a dívida).

Era parar com a austeridade e apostar no crescimento (garantindo que eram incompatíveis).

Era a introdução dos eurobonds.
E era esperar que Hollande virasse o rumo da política europeia, com a sua «austeridade inteligente». Mas, sem surpresa, todos esses caminhos falharam. E face aos mais recentes dados do INE, também caiu por terra a tese socialista, de que foram os chumbos no Tribunal Constitucional a promover o crescimento da economia. O que resta?

Resta a reestruturação – uma proposta originalmente da esquerda radical, que defende uma reestruturação pela força do «não pagamos», agora limada desses excessos anti-europeus. Compreende-se o desespero. Mas não será a insistência no erro que produzirá um resultado certo. É que o problema desta alternativa é o mesmo das anteriores. E igual será também o seu destino.





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