Alexandre Homem Cristo
O objecto do manifesto é promover a fantasia de que a esquerda (com os
ressentidos da direita) formulou uma alternativa política à austeridade
Que Portugal tem elites viciadas em despesa pública, já sabíamos. Agora
descobrimos que também tem elites viciadas em manifestos. É compreensível
porquê. Os manifestos são uma forma de fazer política com grandes
atractividades – dão pouco trabalho a redigir, aparecem discutidos em todos os
jornais, promovem a inclusão numa espécie de bando com uma causa e, mais importante
que tudo, são inconsequentes. O vício não é de hoje. Manifestos, já os houve
para todos os gostos. Uns por mais investimento público (leia-se mais
endividamento), outros contra. Uns pelo crescimento económico, outros contra a
austeridade alemã. E todos, apesar do maior ou menor impacto mediático, com o
mesmo destino: o esquecimento.
O mais recente é o denominado «manifesto
dos 70», em defesa da reestruturação da dívida pública. Escreve-se nos
jornais que este manifesto é diferente. Que não é como os outros. Ou seja, que
este é mesmo a sério. Mas será que é? Nem por isso.
Há que ir directo ao assunto: a reestruturação de parte da dívida faz
algum sentido, tanto para mais que, nestes últimos dois anos, o próprio governo
já conseguiu negociar uma reestruturação (aumentou a maturidade dos
empréstimos, prolongou empréstimos em 7 anos e reduziu a taxa de juro). Mas,
também por isso, a reestruturação da dívida
não é, só por si, um projecto político. Não implica uma mudança de rumo. E não é uma alternativa à austeridade. Sugeri-lo, tal como acontece no manifesto, não é sério.
Os subscritores sabem-no. Se o governo pedisse agora uma reestruturação
da dívida, os juros subiriam em flecha, forçando um novo resgate e mais
austeridade. E mesmo que as entidades internacionais aceitassem essa
reestruturação, teríamos de lhes dar algo em troca: mais medidas de
austeridade. E, por isso, em termos
políticos, o objecto do manifesto limita-se a promover a fantasia de que a
esquerda (com os ressentidos da direita) formulou uma alternativa política à austeridade. É
essa a ilusão que surge claramente
no texto. Primeiro, afirmando que «sem
reestruturação da dívida, o Estado continuará enredado e tolhido na vã
tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública
pela única via da austeridade». Segundo,
insistindo que «há alternativa».
Só que a esquerda está enganada: o que propõe não é alternativa. E não é a primeira vez que muitos destes subscritores
nos prometem alternativas que não o são. Já houve manifestos, congressos e
encontros. Tentou-se de tudo.
Era a aposta no investimento público, como ainda fez Sócrates
(aumentando a dívida).
Era parar com a austeridade e apostar no crescimento (garantindo que eram incompatíveis).
Era a introdução dos eurobonds.
E era esperar que Hollande virasse o rumo da política
europeia, com a sua «austeridade inteligente». Mas, sem surpresa,
todos esses caminhos falharam. E face aos mais recentes dados do INE, também
caiu por terra a tese socialista, de que foram os chumbos no Tribunal
Constitucional a promover o crescimento da economia. O que resta?
Resta a reestruturação – uma
proposta originalmente da esquerda radical, que
defende uma reestruturação pela força do «não pagamos», agora limada desses
excessos anti-europeus. Compreende-se o desespero. Mas não será a insistência no erro que
produzirá um resultado certo. É que o problema desta alternativa é o mesmo das
anteriores. E
igual será também o seu destino.
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