quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Sinais da Besta


O abuso sexual de crianças por padres americanos, que se tornou um escândalo nacional depois de uma série de artigos publicados no Boston Globe em 2002, está agora a entrar no seu 11.º ano. Esta realidade satânica, porém, é muito mais antiga. As recentes revelações do que se passou na arquidiocese de Los Angeles exigem mais um esforço para explicar de forma plausível esta instância particularmente repugnante daquilo a que Santo Agostinho chamou o «mistério do mal».

Antes de olharmos com mais atenção para uma tabela surpreendente, um pouco de contexto.

Para quem não tem seguido as notícias, na passada quinta-feira o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, suspendeu de qualquer «dever público ou administrativo» o seu antecessor, o reformado cardeal Roger Mahony e também um bispo-auxiliar no activo, Thomas Curry (as faculdades sacerdotais dos dois, contudo, não foram suspensas). Documentos previamente confidenciais mostram claramente que ambos os homens conspiraram – este é o termo mais correcto – para evitar que padres reconhecidamente pedófilos fossem detidos pelas autoridades.

Na sua declaração oficial sobre os documentos relativos aos abusos, o arcebispo Gomez, um homem bom e corajoso que enfrenta muitos outros desafios numa arquidiocese pejada de caos e dissidência, disse: «Estes ficheiros constituem leitura brutal e dolorosa. O comportamento descrito neles é terrivelmente triste e malévolo. Não há desculpas para o que aconteceu a estas crianças. Os sacerdotes envolvidos tinham a obrigação de serem os seus pais espirituais, e falharam».

Ainda não falou de forma tão directa sobre o envolvimento do cardeal e do bispo – o tipo de envolvimento que levou o cardeal Bernard Law permanentemente a Roma, mesmo antes daquilo que teria certamente sido um humilhante julgamento na praça pública dos seus próprios falhanços em impedir vários monstros predadores. Mas o gesto de Gomez diz-nos tudo o que temos de saber até que os documentos sejam examinados com mais atenção.

A reacção do cardeal Mahony também nos diz algo, algo que preferíamos não saber. Ele defendeu-se, dizendo: «Nada no meu historial ou na minha formação me preparou para lidar com este grave problema». Certo, isso é verdade em relação a muitas pessoas, e é verdade que o ambiente naquela altura era diferente, não só para católicos, com líderes religiosos e autoridades a agir com uma espécie de acordo silencioso para evitar escândalos envolvendo clero de qualquer tipo.

Mas Mahony não se ficou por aqui. Ele foi mais longe e respondeu com uma carta aberta a Gomez: «Quando foste recebido formalmente como arcebispo a 26 de Maio de 2010 começaste a tomar conhecimento de tudo o que se tinha feito para proteger os jovens e as crianças ao longo dos anos (...) Tornaste-te arcebispo oficial no dia 1 de Março de 2011 e estiveste pessoalmente envolvido na auditoria de cumprimento de 2012 – que concluiu que estávamos em total cumprimento... Nenhuma vez ao longo de todos estes anos levantaste qualquer questão sobre as nossas políticas, práticas ou procedimentos ao lidar com abusos de menores praticados pelo clero».

Tecnicamente, tudo isto deve ser verdade. Mas é uma típica análise legal da situação – e não o tipo de auto-avaliação moral que esperaríamos – por parte de um membro da hierarquia que se encontra em maus lençóis precisamente por causa deste tipo de autodefesa racional.

Há anos que os católicos de esquerda têm clamado contra a «cultura clerical» que permitiu os encobrimentos, e até certo ponto é uma acusação justificada – embora não da forma que tentam usá-la para desacreditar o próprio princípio de um episcopado católico com autoridade.

À direita tem havido várias tentativas de culpar toda esta confusão na revolução cultural dos anos 60 e na entrada descontrolada de homossexuais para o sacerdócio. Também aqui há alguma verdade, mas está longe de ser toda a história.
Esta tabela é retirada de um site da Arquidiocese de Los Angeles onde se publicaram todos os documentos que tinham sobre os casos de abusos. O forte aumento de casos entre 1968 e os anos 80 não é surpreendente e parece confirmar a tese dos conservadores de que o afrouxamento moral também se fez acompanhar de um aumento de agressões contra crianças.

Mas devemos notar que a tabela também confirma a justificação do cardeal de que ele conseguiu diminuir acentuadamente os casos de abusos – ainda por cima nos mesmos anos em que as denúncias teriam sido muito mais fáceis de registar e comprovar.

Aquilo que me surpreende é o grande aumento no fim dos anos 50, os anos antes do Vaticano II. Alguns estudos alegam que até 10% dos alunos do Seminário de São João, em Camarillo, Califórnia, onde estudou o cardeal Mahony, acabaram por se envolver em casos de abusos sexuais. Estamos perante provas da cultura clerical pré-conciliar, ou será outra coisa?

Tenho falado com algumas pessoas que trabalham com este tipo de problemas há anos e muitos consideram que temos subestimado a influência cultural do optimismo americano pós-Segunda Guerra Mundial. O sucesso que os católicos americanos sempre procuraram e que na Igreja se traduziu em largos números de vocações de todos os géneros, poderá ter levado a uma profunda complacência e ao falhanço na supervisão dos homens que entravam para os seminários, muito antes das confusões que se seguiram ao Concílio.

Isto contraria a noção usual de que a paz e a riqueza facilitam a virtude – mas essa é uma noção americana, não é nem católica nem filosófica. Os casos relatados nos anos 50, apesar de altos, poderão ser menores que a realidade uma vez que um grande número de vítimas poderá já ter morrido ou acharem que são demasiado velhos para querer revisitar experiências dolorosas de há meio século.

Não há uma única explicação para mal deste tipo e a este grau. Mas seria errado ignorar esta lição. A complacência é uma tentação perene.

Poderemos estar diante de uma confirmação do versículo dos salmos: «O homem que vive na opulência e não reflecte é semelhante aos animais que são abatidos».

Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole da Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 04 de Fevereiro 2012 em www.thecatholicthing.org)


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