quarta-feira, 6 de junho de 2012

A liberdade da Igreja e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos


Gonçalo Portocarrero de Almada*










O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, na sua sentença de 31 de Janeiro passado contra a Roménia, violou o princípio da separação entre a Igreja e as instituições comunitárias. Com efeito, ao entender justificada, em virtude do artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a pretensão de alguns sacerdotes ortodoxos romenos e seus colaboradores pastorais se constituírem em sindicato, esse Tribunal não só desrespeitou a autoridade eclesial competente na matéria, como também interferiu abusivamente na vida interna dessa comunidade eclesial.

Desde tempos imemoriais, a Igreja está empenhada no reconhecimento efectivo e universal dos direitos humanos, por entender que esses deveres, faculdades e garantias decorrem, com absoluta necessidade, da irrenunciável dignidade humana. Daí a sua denúncia dos regimes contrários à justiça social e o seu empenhamento na construção de uma sociedade global cada vez mais justa e solidária.

A Igreja vive este seu compromisso social sem contudo se imiscuir ou, sequer, interferir na governação das diversas comunidades, cuja salutar autonomia não só acata como também promove, nomeadamente proibindo aos seus ministros o desempenho de actividades de carácter partidário. Tem, portanto, redobrado direito a que seja também reconhecida e respeitada a sua personalidade jurídica, bem como a sua independência em tudo o que se refere à sua organização interna.

A relação canónica que, pela ordenação sacerdotal, se estabelece entre o bispo diocesano e o seu clero é exclusivamente do foro eclesial, até porque a natureza do vínculo, embora superficialmente análogo a uma prestação de serviços, transcende enormemente essa categoria. Na realidade, a essência da relação do Ordinário com o seu presbitério é mais de carácter familiar do que laboral, é mais paternal do que patronal e, por isso, a analogia com as legítimas associações patronais e sindicais não colhe.

Uma associação sindical de padres seria tão absurda quanto uma confederação patronal de bispos, e ambas tão disparatadas quanto seria também a transposição dessas estruturas laborais para o âmbito da família, que não é, salvo melhor opinião, uma unidade colectiva de produção.  

Por outro lado, enquanto o trabalhador sindicalizado não exclui, a priori, a possibilidade de se associar, com os seus colegas, para a defesa dos seus comuns interesses profissionais, o candidato às ordens sagradas positivamente abdica desse seu eventual direito. A sua dedicação ao ministério não decorre, com efeito, de um contrato laboral, mas de uma libérrima opção de entrega pessoal. Portanto, aos que voluntariamente se entregam a Deus, mediante um vínculo de voluntária e consciente obediência, na comunhão eclesial, pode-se e deve-se exigir a correspondente responsabilidade em relação ao seu compromisso.

O Estado, certamente, pode e deve afirmar o direito universal à liberdade sindical, mas uma tal proclamação não o autoriza à sindicalização efectiva de todos os trabalhadores por conta de outrem. Para além desse respeito elementar pela liberdade individual dos trabalhadores, deve também reconhecer a sacralidade de um vínculo que dispensa o exercício dessa prerrogativa laboral. Em caso contrário, estaria a reduzir o ministério pastoral a uma simples relação laboral. Se assim fosse, também a filiação poderia ser equiparada a uma mera prestação de alimentos, ou a um peculiar arrendamento de um quarto na habitação familiar, mas é óbvio que a maternidade e a paternidade, muito embora pressuponham estes elementares deveres em relação à prole, a eles contudo não se limitam.

Se, por absurdo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entendesse que a proibição canónica dos padres se sindicalizarem é contrária aos direitos fundamentais, não se deveria também opor às instituições religiosas que assumem denominações contraditórias com a letra da dita convenção? Será que iria obrigar, por hipótese, as Escravas do Sagrado Coração de Maria, a designarem-se como Damas do Coração de Maria, por ser a escravatura contrária aos direitos humanos e a sacralidade do coração mariano avessa à laicidade das instituições europeias?! E os frades menores, deverão passar a maiores, tendo em conta que, juridicamente, são todos adultos e os menores não podem professar numa ordem religiosa?!

Ante estes serôdios tiques de autoritarismo estatal e de ingerência das instituições europeias no foro privado da bimilenar vida religiosa cristã, talvez valha a pena recordar a sempre actual sentença do divino Mestre: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!» (Mt 22, 21).

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