Pedro Vaz Patto
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Volta a evocar-se a sua pretensa concepção retrógrada da moral sexual e familiar e do papel da mulher na Igreja e na sociedade. E critica-se agora a sua defesa de Marcial Maciel, sacerdote fundador dos Legionários de Cristo, que hoje se sabe envolvido numa vida dupla de desregramento e abusos sexuais. Aspectos que justificariam que João Paulo II não fosse beatificado.
Quanto às acusações que no seu tempo começaram a recair sobre Marcial Maciel (sem a evidência de provas que hoje existe), é compreensível que não lhes tenha dado crédito, pela inverosimilhança que representava uma tão grave conduta da parte do fundador de uma movimento que tantos frutos deu à Igreja, e marcado por experiências históricas de acusações caluniosas sobre sacerdotes em regimes totalitários que conheceu. De qualquer modo, trata-se de um erro de análise de boa fé, compatível com a santidade, não de uma qualquer cumplicidade, ou um qualquer “encobrimento”.
A respeito das suas posições doutrinais, parece que os seus críticos se esquecem de que o que um processo de beatificação exige é a conformidade dos escritos do visado à perene doutrina da Igreja, não a sua conformidade aos cânones do “espírito do tempo” e do “politicamente correcto”. Paradoxal seria o contrário. Nunca poderiam essas posições ser obstáculo à beatificação, por muito contrastantes que sejam com esse “espírito”.
A respeito das questões de ética sexual, foca-se sobretudo o que da sua mensagem são interditos, e esquece-se a sua dimensão positiva (aquilo a que diz “sim”, e não só aquilo a que diz “não”). Nunca nenhum outro Papa (nem qualquer outro pensador) apresentou uma tão rica e profunda visão da beleza e dignidade da sexualidade humana (integrada num desígnio de Deus que faz da mútua doação física e pessoal do homem e da mulher um sinal da comunhão entre as pessoas divinas) como a que decorre da teologia do corpo, uma das novidades históricas do pensamento de João Paulo II.
A respeito da mulher, foca-se apenas a sua recusa do sacerdócio feminino, muitas vezes com completa ignorância da dimensão teológica que está subjacente a essa recusa, que se liga a uma opção de Jesus que à Sua Igreja não compete “corrigir”. Mas, como reconheceram várias mulheres, nunca nenhum outro Papa (nem qualquer outro pensador) como João Paulo II exaltou, na Mulieris Dignitatem e noutros textos, a insubstituível riqueza daquilo a que chamou o “génio feminino”, e dos frutos que só deste podem advir para a sociedade e para a Igreja. Esta só com esse contributo há-de revelar cada vez mais o seu perfil mariano, a primazia do amor sobre a autoridade. Por isso, aprovou a disposição estatutária que impõe que seja sempre uma mulher a presidir ao Movimento dos Focolares, um movimento laical a que também pertencem sacerdotes e bispos.
Também por estas posições, mas sobretudo pelo seu imenso amor a Deus e à humanidade, João Paulo II é proclamado beato, sem sombras nem favores.
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