Pedro Vaz Patto
Poucos dias depois do falecimento de João Paulo II, um título de um jornal espanhol dizia que este recebera «os elogios mais universais da História». Pessoas de todos os quadrantes políticos (árabes e israelitas, George W. Bush e Fidel Castro) e de todas as religiões, crentes e não crentes, reconheceram a sua incomparável estatura moral e a relevância histórica da sua acção. Mesmo assim, houve então quem destoasse desse coro e lhe apontasse incoerências e limites. Agora, a propósito da sua beatificação, voltam a ouvir-se vozes críticas, que parecem ter um eco desproporcional em relação à sua real representatividade dentro e fora da Igreja Católica.
Volta a evocar-se a sua pretensa concepção retrógrada da moral sexual e familiar e do papel da mulher na Igreja e na sociedade. E critica-se agora a sua defesa de Marcial Maciel, sacerdote fundador dos Legionários de Cristo, que hoje se sabe envolvido numa vida dupla de desregramento e abusos sexuais. Aspectos que justificariam que João Paulo II não fosse beatificado.
Quanto às acusações que no seu tempo começaram a recair sobre Marcial Maciel (sem a evidência de provas que hoje existe), é compreensível que não lhes tenha dado crédito, pela inverosimilhança que representava uma tão grave conduta da parte do fundador de uma movimento que tantos frutos deu à Igreja, e marcado por experiências históricas de acusações caluniosas sobre sacerdotes em regimes totalitários que conheceu. De qualquer modo, trata-se de um erro de análise de boa fé, compatível com a santidade, não de uma qualquer cumplicidade, ou um qualquer “encobrimento”.
A respeito das suas posições doutrinais, parece que os seus críticos se esquecem de que o que um processo de beatificação exige é a conformidade dos escritos do visado à perene doutrina da Igreja, não a sua conformidade aos cânones do “espírito do tempo” e do “politicamente correcto”. Paradoxal seria o contrário. Nunca poderiam essas posições ser obstáculo à beatificação, por muito contrastantes que sejam com esse “espírito”.
A respeito das questões de ética sexual, foca-se sobretudo o que da sua mensagem são interditos, e esquece-se a sua dimensão positiva (aquilo a que diz “sim”, e não só aquilo a que diz “não”). Nunca nenhum outro Papa (nem qualquer outro pensador) apresentou uma tão rica e profunda visão da beleza e dignidade da sexualidade humana (integrada num desígnio de Deus que faz da mútua doação física e pessoal do homem e da mulher um sinal da comunhão entre as pessoas divinas) como a que decorre da teologia do corpo, uma das novidades históricas do pensamento de João Paulo II.
A respeito da mulher, foca-se apenas a sua recusa do sacerdócio feminino, muitas vezes com completa ignorância da dimensão teológica que está subjacente a essa recusa, que se liga a uma opção de Jesus que à Sua Igreja não compete “corrigir”. Mas, como reconheceram várias mulheres, nunca nenhum outro Papa (nem qualquer outro pensador) como João Paulo II exaltou, na Mulieris Dignitatem e noutros textos, a insubstituível riqueza daquilo a que chamou o “génio feminino”, e dos frutos que só deste podem advir para a sociedade e para a Igreja. Esta só com esse contributo há-de revelar cada vez mais o seu perfil mariano, a primazia do amor sobre a autoridade. Por isso, aprovou a disposição estatutária que impõe que seja sempre uma mulher a presidir ao Movimento dos Focolares, um movimento laical a que também pertencem sacerdotes e bispos.
Também por estas posições, mas sobretudo pelo seu imenso amor a Deus e à humanidade, João Paulo II é proclamado beato, sem sombras nem favores.
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