quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Educação

P. Virgílio do Nascimento Antunes, Reitor do Santuário de Fátima

(...) Somos hoje herdeiros de uma sociedade que deixou de educar, mas investiu a maior parte das suas energias na transmissão de conhecimentos, de ciência e até de erudição. O nosso país e mundo encheram-se de escolas, que são necessárias, mas não resolvem a questão da educação integral do ser humano. A família, ocupada com as questões económicas, obcecada pelas questões administrativas e marcada pelo desejo de ter e desfrutar dos bens pelos quais se mede a dignidade das pessoas, deixou as tarefas educativas para segundo plano ou, então, delegou na escola e no Estado essa sua nobre missão. O Estado, ideológico e omnipresente, pretende controlar todo o processo de educação e a propor um único projecto de educação, recusando na prática e cada vez mais às famílias a possibilidade de escolher o modelo educativo que mais lhes interessa.

O materialismo instalou-se na educação e tem consequências bem mais perniciosas para a pessoa humana do que o materialismo na economia ou nas outras áreas da gestão dos recursos que a terra nos dá. Na gestão dos recursos, é necessário saber fazer bem as contas para ver o que é suficiente, o que faz falta, o que sobra, o que existe para dividir. Na questão da educação não bastam as contas bem feitas, pois podemos ter os meios materiais todos, mas ter falta de alma, de vida, de princípios, de valores e as pessoas continuarem profundamente infelizes e sem perspectivas de realização.

Por que razão somos sociedades de escolaridade obrigatória para todos, com elevados níveis nos rankings do sucesso do ensino e temos tão grandes dificuldades a nível da satisfação pessoal, do relacionamento familiar ou comunitário? Por que razão havemos de lamentar o mau ambiente existente em algumas escolas, a insubordinação na relação entre os companheiros e com os mais velhos, professores ou pais? Por que razão continua a haver tantos casos de maus tratos domésticos, tanta violência, tão graves problemas nas ruas das cidades e aldeias?

As últimas décadas têm cavado um autêntico fosso educativo, tanto na escola, como na família e até na Igreja. E não é por se educar para a liberdade, pois toda a educação tem de ser para a liberdade e na liberdade. É sobretudo por se educar na irresponsabilidade e para a irresponsabilidade, bem flagrante nos últimos tempos no modo como se propõe a educação sexual nas escolas sem uma dimensão ética, e contrariando tantos dos princípios de muitas famílias.

Alicerçada na palavra do Senhor, hoje escutada, a educação da fé e a educação humana feita em ambiente cristão e sob inspiração cristã, têm de ser diferentes, têm de romper com um conjunto de preconceitos e propor ao mundo caminhos novos e ousados.

O general sírio Naamã, de quem nos falava a primeira leitura, de coração humilde, disponibilizou-se para mergulhar sete vezes nas águas do Jordão, a fim de curar a lepra que lhe desfazia o corpo. Reconheceu que em toda a terra não há outro Deus senão o Deus de Israel. Reconheceu que, afinal, a sua grandeza e força de general de pouco lhe valiam, pois a vida não é uma questão de poder ou de força para dominar os outros e vencê-los. Mais importante é dominar-se a si mesmo, vencer-se a si mesmo, reconhecendo de forma humilde que estamos nas mãos de Deus e precisamos de nos abrir fraternalmente aos outros.

Grande contraste com a atitude de homens e mulheres que fazem valer os seus direitos pela afirmação de si mesmos, pela superioridade dos seus títulos, pela força da violência ou pela quantidade dos seus bens. Grande contraste com a atitude das crianças ou dos jovens que exigem tudo dos seus pais, da sua escola, da sociedade, sem querer dar nada em troca. Grande contraste com a nossa atitude diante de Deus a quem pedimos insistentemente sem que isso nos leve ao compromisso de vida e ao testemunho fiel.

S. Paulo, na Segunda Epístola a Timóteo, falava-nos do seu grande ardor no anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Aceitou corajosamente sofrimentos e prisões para que a palavra da salvação fosse proclamada a todos os povos, porque para viver com Cristo é preciso morrer com Ele e para reinar com Cristo é preciso sofrer com Ele.

Grande contraste com a nossa atitude de fuga a todo o espírito de sacrifício, a todo o sofrimento, necessários para fazer da vida algo de grandioso e de belo. Grande contraste com a nosso desinteresse pelos valores espirituais da fé e do Evangelho que relegamos para últimos planos dentro dos nossos programas educativos familiares, escolares e eclesiais. Grande contraste com o modo como vemos crescer as crianças e os jovens anestesiados pela ilusão de uma vida onde nada falta, tudo se alcança sem esforço e onde se não exigem responsabilidades, nem compromissos, nem sacrifícios.

Cristo aceitou a paixão e a morte, em sinal de amor, para nos dar vida; Paulo e os outros discípulos aceitaram o martírio, em sinal de amor, para nos fazer chegar o Evangelho da vida; e nós não temos outro caminho senão crescer e ajudar a crescer os outros passando pelo caminho do amor, que é sempre caminho de cruz, fonte de vida.

No texto do Evangelho de S. Lucas encontrámos a manifestação de Jesus, que nos mostra o amor de Deus para connosco, naquele gesto da cura dos leprosos. “Ide mostrar-vos aos sacerdotes”, disse ele aos leprosos, numa ordem que lhes mostra que a salvação não é um golpe de magia, mas um trabalho conjunto de Deus e do homem. “A tua fé te salvou”, diz Jesus ao homem que voltou para dar glória a Deus, uma palavra que demonstra a necessidade de colaboração do homem no processo de construção da sua felicidade e da sua vida.

No processo educativo é fundamental a acção de todos: dos pais, da escola, da sociedade; mas, acima de tudo, é fundamental a acção dos educandos, num clima de liberdade e de responsabilidade assumida. Numa família, numa escola, numa sociedade ou numa Igreja em que nada se exige e em que se recebe tudo feito, sem trabalho e sem esforço, não se educam pessoas para aguentar o peso da vida, nem para a dádiva de si mesmas na solidariedade e no amor, mas deixam-se crescer pessoas predispostas para tudo exigir dos outros, da família, da sociedade ou da Igreja.

Depois de narrar a cura dos dez leprosos, o texto do Evangelho apresentava-nos Jesus a lamentar o facto de apenas um ter voltado atrás para agradecer a Deus o dom gratuito que recebeu: “Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus”.

O processo educativo carece do sentido da gratidão aos homens e a Deus. É chocante vermos as crianças a crescer como se fossem o centro do mundo, a exigir aos pais tudo o que podem e não podem dar-lhes, e os pais a ceder, incapazes de resistir diante do poder avassalador da moda e do desejo de serem como todos os outros. Quem se sente senhor de todos os direitos nunca tem um obrigado a dizer, nunca sente necessidade de um gesto de gratidão.

O processo educativo carece do sentido de gratidão a Deus. A educação da fé no Deus Criador e Senhor de quem nos vem a vida, a saúde, a alegria de viver, o presente e o futuro, é uma urgência e tem de começar em casa logo nos primeiros anos de vida. Faz-se pela palavra, pela oração e pelas atitudes próprias da fé humilde, confiante e grata; faz-se também pela participação alegre e livre na vida da comunidade cristã, sobretudo na liturgia dominical e nos sacramentos.

A Nossa Senhora, a celeste educadora de Jesus e de todos nós, seus filhos, confiemos a solicitude de todos os educadores, para que encontrem os melhores caminhos para a educação de uma humanidade feliz e santa. Ámen.


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