Quinta-feira, 13 de Maio de 2010
Venerados e queridos Irmãos no Episcopado,
Venerados e queridos Irmãos no Episcopado,
Dou graças a Deus pela oportunidade de vos encontrar a todos aqui no coração espiritual de Portugal, que é o Santuário de Fátima, onde multidões de peregrinos, vindos dos mais variados lugares da terra, procuram reaver ou reforçar em si mesmos as certezas do Céu. Entre eles veio de Roma o Sucessor de Pedro, acedendo aos repetidos convites recebidos e movido por uma dívida de gratidão à Virgem Maria, que aqui comunicara aos seus videntes e peregrinos um intenso amor pelo Santo Padre que frutifica numa vigorosa retaguarda de oração com Jesus à cabeça: Pedro, «Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22, 32).
Como vedes, o Papa precisa de abrir-se cada vez mais ao mistério da Cruz, abraçando-a como única esperança e derradeiro caminho para ganhar e reunir no Crucificado todos os seus irmãos e irmãs em humanidade. Obedecendo à Palavra de Deus, é chamado a viver não para si mesmo mas para a presença de Deus no mundo. Serve-me de conforto a determinação com que seguis no meu encalço, sem nada mais temer que a perda da salvação eterna do vosso povo, como bem o demonstram as palavras com que Dom Jorge Ortiga quis saudar a minha chegada ao vosso meio e testemunhar a fidelidade incondicional dos Bispos de Portugal ao Sucessor de Pedro. De coração vo-lo agradeço. Obrigado ainda por todo o desvelo que pusestes na organização desta minha Visita. Que Deus vos pague, derramando em abundância o Espírito Santo sobre vós e vossas dioceses a fim de que, num só coração e numa só alma, possais levar a cabo o empenho pastoral que vos propusestes: oferecer a todos os fiéis uma iniciação cristã exigente e atractiva, comunicadora da integridade da fé e da espiritualidade radicada no Evangelho, formadora de agentes livres no meio da vida pública.
Mantende viva a dimensão profética sem mordaças no cenário do mundo actual, porque «a palavra de Deus não pode ser acorrentada» (2 Tm 2, 9). As pessoas clamam pela Boa Nova de Jesus Cristo, que dá sentido às suas vidas e salvaguarda a sua dignidade. Como primeiros evangelizadores, ser-vos-á útil conhecer e compreender os diversos factores sociais e culturais, avaliar as carências espirituais e programar eficazmente os recursos pastorais; decisivo, porém, é conseguir inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade, cientes de que o resultado provém sobretudo da união com Cristo e da acção do seu Espírito.
Ora, quando no sentir de muitos a fé católica deixa de ser património comum da sociedade e, frequentemente, se vê como uma semente insidiada e ofuscada por «divindades» e senhores deste mundo, muito dificilmente aquela poderá tocar os corações graças a simples discursos ou apelos morais e menos ainda a genéricos apelos aos valores cristãos. O apelo corajoso e integral aos princípios é essencial e indispensável; todavia a mera enunciação da mensagem não chega ao mais fundo do coração da pessoa, não toca a sua liberdade, não muda a vida. Aquilo que fascina é sobretudo o encontro com pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça de Cristo dando testemunho d’Ele. Vêm-me à mente estas palavras do Papa João Paulo II: «A Igreja tem necessidade sobretudo de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão, uma re-actualização vital e fecunda do cristianismo com as necessidades dos homens, uma renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações» (Discurso no XX aniversário da promulgação do Decreto conciliar «Apostolicam actuositatem», 18/XI/1985). Poderia alguém dizer: «É certo que a Igreja tem necessidade de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade…, mas não os há»!
A propósito, confesso-vos a agradável surpresa que tive ao contactar com os movimentos e novas comunidades eclesiais. Observando-os, tive a alegria e a graça de ver como, num momento de fadiga da Igreja, num momento em que se falava de «inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma nova primavera, fazendo despertar nos jovens e adultos a alegria de serem cristãos, de viverem na Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo objectivo da fé, o fluxo vivo da sua tradição comunicam-se persuasivamente e são acolhidos como experiência pessoal, como adesão da liberdade ao evento presente de Cristo.
Condição necessária, naturalmente, é que estas novas realidades queiram viver na Igreja comum, embora com espaços de algum modo reservados para a sua vida, de maneira que esta se torne depois fecunda para todos os outros. Os portadores de um carisma particular devem sentir-se fundamentalmente responsáveis pela comunhão, pela fé comum da Igreja e devem submeter-se à guia dos Pastores. São estes que devem garantir a eclesialidade dos movimentos. Os Pastores não são apenas pessoas que ocupam um cargo, mas eles próprios são carismáticos, são responsáveis pela abertura da Igreja à acção do Espírito Santo. Nós, Bispos, no sacramento, somos ungidos pelo Espírito Santo e, por conseguinte, o sacramento garante-nos também a abertura aos seus dons. Assim, por um lado, devemos sentir a responsabilidade de aceitar estes impulsos que são dons para a Igreja e lhe dão nova vitalidade, mas, por outro, devemos também ajudar os movimentos a encontrarem a estrada justa, com correcções feitas com compreensão – aquela compreensão espiritual e humana que sabe unir guia, gratidão e uma certa abertura e disponibilidade para aceitar aprender.
Iniciai ou confirmai nisto mesmo os presbíteros. Neste Ano Sacerdotal que está para concluir, redescobri, amados Irmãos, a paternidade episcopal sobretudo para com o vosso clero. Durante demasiado tempo se relegou para segundo plano a responsabilidade da autoridade como serviço ao crescimento dos outros, e antes de mais ninguém dos sacerdotes. Estes são chamados a servir, no seu ministério pastoral, integrados numa acção pastoral de comunhão ou de conjunto, como nos recorda o decreto conciliar Presbyterorum ordinis: «Nenhum sacerdote pode realizar sozinho suficientemente a sua missão, mas só num esforço conjunto com o dos demais sacerdotes, sob a orientação dos que estão à frente da Igreja» (n. 7). Não se trata de voltar ao passado nem de um mero regresso às origens, mas de uma recuperação do fervor das origens, da alegria do início da experiência cristã, fazendo-se acompanhar por Cristo como os «discípulos de Emaús» no dia de Páscoa, deixando que a sua palavra aqueça o coração, que o «pão partido» abra os nossos olhos à contemplação do seu rosto. Só assim é que o fogo da sua caridade será bastante ardente para impelir cada fiel cristão a tornar-se dispensador de luz e vida na Igreja e entre os homens.
Antes de terminar, queria pedir-vos, na vossa qualidade de presidentes e ministros da caridade na Igreja, para revigorardes em vós e ao vosso redor os sentimentos de misericórdia e compaixão capazes de corresponder às situações de graves carências sociais. Criem-se e aperfeiçoem-se as organizações existentes, com criatividade para corresponder a todas as pobrezas, mesmo a de falta de sentido da vida e de ausência de esperança. É muito louvável o esforço que fazeis por ajudar dioceses mais necessitadas, sobretudo dos países lusófonos. As dificuldades, agora mais sentidas, não vos deixem esmorecer na lógica do dom. Continue bem vivo no país o vosso testemunho de profetas de justiça e da paz, defensores dos direitos inalienáveis da pessoa, juntando a vossa voz à dos mais débeis a quem tendes sabiamente motivado para ter voz própria, sem temer nunca levantar a voz em favor dos oprimidos, humilhados e molestados.
Enquanto vos confio a Nossa Senhora de Fátima, pedindo-Lhe que vos sustente maternalmente nos desafios em que estais empenhados, para serdes promotores de uma cultura e de uma espiritualidade de caridade e de paz, de esperança e de justiça, de fé e de serviço, de coração vos concedo, extensiva aos vossos familiares e comunidades diocesanas, a minha Bênção Apostólica.
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Penútima imagem: D. António Barroso (1854-1918), Bispo do Porto perseguido e preso por Afonso Costa e pela maçonaria durante a I República.
Última imagem: D. Sebastião de Vasconcelos (1852-1923), Bispo de Beja perseguido e desterrado por Afonso Costa e pela maçonaria durante a I República.
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