terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O caso Galileu


Agostino Nobile*


A Igreja será verdadeiramente inimiga da ciência? Afinal, a primeira universidade nasceu com aprovação e financiada pela Igreja...

A primeira universidade nasceu em Bolonha no séc. XIII, com aprovação da Igreja, sendo financiada por esta instituição. Quando no início do ano 1600, na Europa cristã se contavam já 108 universidades, no mundo não cristão não existia nenhuma. Logo, não é por mero acaso se o ocidente foi portador do progresso no mundo.

O pensamento de base da Europa cristã transmitiu-nos Santo Agostinho (354-430): "Longe de nós o pensamento que Deus tenha ódio a faculdade da razão… Longe de nós acreditamos que a fé nos impede de encontrar ou procurar a explicação racional de quanto cremos". Quem estudou história ocidental sabe que as primeiras escolas se formaram nas sedes monásticas e no bispado, onde se desenvolveu a cultura humanista e científica. Entre vários personagens é extraordinário lembramos Gerberto d'Aurillac , futuro papa Silvestre II de 999 a 1003. Este foi o homem europeu mais erudito do seu tempo. Conhecedor profundo de matemática, de filosofia, de astronomia, de literatura latina, de musica e teologia. Gerberto, seguindo o pensamento da Igreja, escreveu: "A fé faz viver o justo, mas é bom que ele acrescente a ciência. O divino dá aos homens o grande dom, dando-lhe a fé, mas nunca nega a consciência. Aqueles que não possuem a racionalidade são chamados estulto".

A Igreja não se limitava às palavras dos santos e dos religiosos, era realista e prática demonstrando-nos nos factos. Depois da queda de Roma foram os monásticos que deram o impulso principal à reconstrução da Europa devastada pelos Bárbaros. A partir das técnicas agrícolas (fundamentais para a sobrevivência), as ciências, da filosofia à química, das artes à escrita até a forma do livro actual. Entre os grandes cientistas crentes lembramos apenas Nicolau Copérnico (1473-1543), astrónomo famoso pela teoria heliocêntrica que era monástico. Alexandre Volta (1745-1827) físico que descobriu um dos símbolos mais potentes da 'modernidade', a energia eléctrica, diariamente assistia à missa e rezava o rosário. Rogeiro Boscovich (1711-1787), foi o maior cientista da sua época: astrónomo, físico, matemático, filósofo, poeta, era padre jesuíta. Gregor Johann Mendel 1822-1884), percursor da moderna genética, era padre agostiniano. Portanto a razão não nasceu com o Iluminismo, existe desde que o Homem existe. Pensar o contrário significaria acreditar que até à Revolução Francesa vivíamos em cavernas...

O caso Galileu foi e é o modelo preferido para desacreditar a fé, o cristianismo e a Igreja. Não são muitos os que sabem que subjacente ao processo Galileu os anticlericais tenham construído uma dos mais falsas historias que perduram ainda no tempo. Não obstante as provas documentados do processo e de cartas dos interessados directamente, convergem para os mais acreditados historiados, não há dia que não passe que não repita a mesma falsidade. Hoje existe uma vasta historiografia sobre o acontecimento do cientista Pisano, e com um pouca de boa vontade, sobretudo da parte dos professores, os jovens poderão finalmente aprender como são os factos. Na realidade a Igreja que processou Galileu perguntava pelas provas científicas da teoria coperniciana (a rotação terrestre à volta do Sol), mas o cientista não as possuía. Não é para mero caso que o filósofo agnóstico Feyerabend provocatoriamente afirma "a Igreja da época de Galileu se conformou mais com a razão do que com o próprio Galileu".

Certamente alguns teólogos temiam pela fé mas, como escreveu o próprio Galileu numa carta, estes foram iludidos pelos colegas invejosos. Todavia o cientista Pisano não foi condenado à fogueira, nem torturado como muitas pessoas pensam, teve uma habitação de luxo, paga pela Igreja com direito a criados, podendo assim continuar tranquilamente a sua investigação cientifica. A pena que Galileu recebeu podia ser insuportável para um laico e humilhante para um ateu, mas ele como verdadeiro crente suportou-a bastante bem: deveria rezar uma vez por semana ou sete salmos penitenciais durante três anos, mas foi logo comutada.

Galileu Galilei não foi amado pelos colegas, mas estimado pelo seu amigo papa Urbano VIII . A admiração do Pontífice chegou ao ponto de compor um poema em latim para celebrar a descoberta galileia das manchas solares. Portanto um atento estudo do acontecimento releva os elementos principais da controvérsia: as falta de provas cientifica sobre a teoria coperniciana; a inveja dos colegas ligados à teoria ptolemaica, incapaz de passar da velha filosofia aristotélica à nova prospectiva; a arrogância de Galileu contra os colegas e ao amigo papa Urbano VIII.

Nos mesmos dias do processo o cardeal Roberto Bellarmino escreveu: "Quando existe uma verdadeira demonstração que o Sol está no centro do mundo é que o Sol não gira a volta da Terra, mas a Terra gira a volta do Sol, agora é necessário ir com muita consideração explicar as Escrituras que parecem contrária, é melhor dizer que nós não as entendemos o que não quer dizer que sejam falsas como aquela que se demonstra".

O pensamento de Cardeal Bellarmino não tinha dúvida do respeito que a Igreja tinha pela a ciência. De facto, todas as obras de Galileu foram reimpressas no estado pontifício logo após a sua morte. Quando em 1851, graças as experiências cientifica de Faucault, se comprovou a teoria coperniciana, a Universidade Católica foi a primeira a introduzi-la nos próprios cursos científicos. Os históricos das ciências hoje concordam para considerarem a Igreja como protagonista indirecta do nascimento da ciência moderna. Portanto, o embate teórico e doutrinal, entre a ciência e a fé, na verdade nunca foi e nunca esteve em causa.

Max Plank (1858-1947), um dos pais universalmente reconhecido da física moderna, premio Nobel em 1938, escreveu: "Por mais que se queira guardar, não encontramos em nenhuma parte, entre a religião e a ciência, uma contradição mas precisamente, nos pontos mais decisivos, perfeita concordância. A religião e as ciências naturais não se excluem da reciprocidade, como muitos hoje acreditam ou temem, mas completam-se e conectam-se reciprocamente". Mas nas escolas ensina-se sempre o falso histórico...

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*Agostino Nobile, 60 anos, autor deste texto, é italiano, estudou História, Arte, Filosofia e é... músico, Teologia e, no seu país natal, escreveu em vários jornais de Florença. Na Madeira, em Junho passado, organizou, juntamente com João Carlos Abreu, um encontro com um dos melhores escritores italianos, Rino Cammilleri.

Enviado por L. M. Cunha



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